Thursday, October 10, 2019

1969 - ODISSEIA NO QUELHAS


Em 18 de Março de 1969, à noite, houve récita dos finalistas de Económicas (ISCEF - Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras) no Teatro da Trindade.

A 20 de Julho desse mesmo ano, um homem, o norte-americano Neil Armstrong pisou pela primeira vez a lua. Em 1968, Stanley Kubrick tinha produzido e realizado 2001- A Space Odyssey.
Neste contexto de ficção tornado realidade, que melhor título se poderia dar a um divertimento académico daqueles que se preparavam para sair da cápsula onde, pelo menos, tinham estagiado durante cinco anos, mais adequado e ambicioso que  "1969 - ODISSEIA NO QUELHAS"?

Fui cúmplice de um atrevimento reprovado pelo então director do ISCEF, Professor Jacinto Nunes.  Salazar tinha ficado física e mentalmente inválido em Agosto do ano anterior mas a polícia política continuava feroz e só 5 anos depois o país viria a experimentar o sabor agridoce da democracia.
Disseram-me que o Prof. Jacinto Nunes veementemente desaconselhara a integração dos "Jograis do Quelhas" no programa das festas para me perguntarem de seguida: E agora? Respondi: agora façam como entenderem, eu não escrevo outros. 
E foi, sentado na plateia, com um olho no palco e outro em individualidades desconhecidas, que assisti aos Jograis, a finalizar o primeiro acto da récita. Ninguém foi preso.

Hesitei muito na transcrição neste caderno de apontamentos, da jogralada em versão de mal-dizer, não só por pudor e respeito que o tempo impôs sobretudo relativamente aqueles que já faleceram, mas também pelo excesso de verrina, resultado de uma consulta onde se uns diziam mata outros diziam esfola. 
Mas se os "Jograis do Quelhas", cinquenta anos depois, inspirarem aos de 69 que os lerem hoje alguma nostalgia e gratidão por aqueles com quem aprendemos a mostrar que no velho Quelhas se forjaram armas de razoável toque, então transcrevam-se os Jograis para penitência da consciência dos nossos excessos.




JOGRAIS DO QUELHAS


(Senhoras)
(Senhores)
(Doutoras)
(Doutores)
(E Professores)

Somos jograis
(Excepcionais)
(Insofismavelmente)
(Paradoxalmente)
(E irremediavelmente)
Bestiais
Com outras profissões.
Andámos pelo Quelhas
a aprender
a fazer
cadeirões
(Não, não fizemos esse ...)
Mas fizemos muitos mais
(Mais duros)
mas menos nacionais
Que irão também (um dia)
pr´a Torre do Tombo
("Monumento Nacional")
só, em verdade,
terá então um nome com flagrante
e impressionante
propriedade.

(Eis aqui alguns daqueles
que tais coisas engendraram)
Doutros nem sequer falamos
nem sabemos se por cá veranearam ...

1ª. cadeira - 1º.pincel
(O Jesus fez-nos tratos de polé)
É um sujeito indesejável
(É ou não é?)
                          (todos) É!!!

(Música: a caminho de Viseu)

Ai Jesus, truz-truz
Chumba que trás-trás
Se não fosse tanto chumbo
Tu serias bom rapaz.

Pezinhos de lã, mansinhos,
vem do Porto o Madureira
e as MGs, nm instantinho
parecem uma brincadeira.

Mas Madureira só quer
impressionar a geral
(Afinal é fura-greves
por um tacho trivial.)

(Música : A mim não me enganas tu)

A mim não me enganas tu,
a mim não me enganas tu,
a mim não me enganas tu,
já as tinha tirado quando vieste tu.

O Alves da Geografia
(Tem cuidado, olha que o mano ...)
Pregou-se-lhe agora a mania
Chumbar mais de ano para ano
         (todos)  Fora o Caetano!!!

O Lopes, seu sacristão,
segue as pisadas do dono.
Tem uma voz, que piadão,
Faz-nos tanto, tanto sono
          (todos) (óóóó ....)

(O Chico no PTC)
(tinha fama de ser bera)
(depois na Contabilidade)
era porreiro, ou não era?
               Não, era !!!!

O sábio e a sua súcia
(coitado do Ramalheira)
(Agora é Comendador
da grande Ordem da Asneira)

O sr. Carvalho trazia
a ciência num cartão.
Acabava-se a ciência
(tornicotim, tornicotão)
E se não topa um sujeito,
Tornicotim ombro encolhe,
e afinfa-lhe logo a eito
"o argumento não colhe"
(Pequenino, mas não dança)
Tornicotim saltitão
(Deu-lhe um tacho o Mestre, e pensa,
está servida a Fundação)

(Música: "Você pensa que a cachaça é água" )

Você pensa que que tal súcia é boa
primeiro p´lo Tornicotão,
chumbam muita gente à toa,
tal súcia não é boa não.
Nosso sábio não dá o cavaco,
a ninguém dá o cavaco, não.
O Sábio quere-os  todos
a lixar a Fundação.

Vista esta causa com senso,
estes são "não gratos"?
(todos) São !!!
(O Rómulo e o seu apenso)
(todos) Não ...

(Música: Sim Carolina Ó i Ó Ai)

A saia da Clementina
Não é uma saia qualquer,
sim Clementina ó i, ó ai,
Sim Clementina, ó ai, meu bem.
Terá toga, Clementina
É o Rómulo que assim quer.
Sim Clementina, ó i, ó ai,
sim Clementina, ó ai, meu bem.

(O Albuquerque é liru)
Dizem uns. (Ele é honesto)
dizem outros.
(Sabes tu?)
O que é preciso é ser lesto.

(O ajudante, coitado ...)
(Coitado, mas como assim???)
Há lá tipo mais errado
que este sr. Amorim?! ...

(Eu gosto do Amorim, gosto do Amorim aos molhos)

(Música : "Alecrim aos Molhos")

Amorim, Amorim aos molhos,
por causa de ti matou-se o Frechet

(P´ró Moura, a electricidade
é feita pelo electricista)
Já que a economia, tá visto,
(é obra do economista)

(E eu já não sei do que sou contra,
parece que agora mudou)
talvez com grandes remorsos
de chumbar o que chumbou.

(Música: "Ai Mouraria") 

Ai, Mouraria
da velha Rua do Quelhas,
anda tanta gente à nora
com economias velhas.

(O Didi vendia as folhas)
(punha o Lino a receber)
Não vinha o resto das folhas
e a malta sem perceber.

O Pelé chumbava à toa
(pulava)
(espumava)
(ralhava)
Punham-se-lhe os cabelos em pé (o resto)
Toda a gente concordava!!!
Era tonto e desonesto!!!

Menino Jardim, (que graça)
veio para o Comercial,
acompanhava as bronquites
e até era bestial.

Foi-se o Pelé, e o Jardim,
mudou-se pr´obrigações.
(Oxalá não seja Bera)
quem para Vera tem razões,

(Britinho Corporativo)
É mais uma jóia alheia,
Direito é asfixiativo.
E se os levasse uma cheia?!!!

E vejam só meus senhores,
como isto anda tão mal.
(Escreve Bruto com i)
Mas dá Internacional

Pinto Barriga, coitado,
já andava um tanto cheché
(Mas se não fora o nosso capitão de cavalaria)
(Imprescindível num Quelhas inconcebível)
Mais chumbaria o Pelé.

(Récita sem Pinto Barriga)
(É uma praça sem ninguém)
(Deus lhe dê boa saúde)
(E à sua tese)
                           (todos)  Amen!


Mestre Gonçalves da Silva
tem uma quinta em Tomar.
Se a manada dá estrume,
há estrume a contabilizar.

(As oliveiras do Mocho
vão-lhe dar umas patacas)
Quando lhe nasce uma cria
Faz logo : crias / a vacas

Doce país de poetas,
onde qualquer deputássio,
lendo Da Silva, as sebentas,
rima rácio com Inácio.

Da Silva deu uma festa,
e convidou para a farra
o seu Mestre Fábio Besta
e o bestial Mestre Escarra

(O Rui Nunes nos martelos)
da orquestra parte fazia.
Nem para fazer a chamada
a sua boca se abria.

(Mestre Gonçalves da Silva tem um afilhado ...)
(o rapaz tem uma cabeça tão bela ...
pena foi que a ciência
tenha descido à barbela.

Tem uma cabeça o rapaz,
o mestre revê-se nela.
(Menino, para seres um ás
tens de puxar pela barbela)

Entra na sala o Manel
e mai-lo seu garrafão,
rapa logo do papel,
e puxa pelo barbelão.
E lê por ali abaixo
(o Manel, que sabichão)
Da barbela, não sai nada,
mas Manel faz figurão.

Estudou com o Schneider,
agora ensina o Cachudo,
e este pimpolho há-de vir
a saber aquilo tudo.

Não puxa pela barbela,
que ainda não a tem (bem precisa),
mas para treinar na barbela,
vai puxando pela camisa.
Ainda não usa papel
para ler à rapaziada.
Não admira que ele,
na aula não diga nada.

(Toma nota rapazinho)
(Já é idade de aprenderes)
(Faz como fez teu amo)
(Serás doutor sem saberes)
                                              (Mas cautela!)
Traduz um autor qualquer
(aconselho-te o chinês)
Acautela-te, no entanto,
se há tradução em francês.

É que o teu dono, coitado,
teve enorme trabalhão.
(Traduziu)
                (Logo era dele)
Só ele sabia alemão ...

Eis senão que um francês,
que de alemão bem percebe,
traduziu e fez asneira.
(Pôs lá: autor Gutemberg,
em vez de autor: Manuel Pereira)

Sr. Magro, é bom de ver
o curso não está na mão,
e se há coisas a dizer,
não fariam com ... Gestão?

Visto o curriculum, senhores,
destes três, verdade nua,
qual a sentença a ditar?
                           (todos) Rua!!!

(Música: Arrebita, arrebita, arrebita)

Da Silva que és o maestro,
desta charanga que é tua,
tem ao menos um bom gesto,
e põe-os todos na rua.

Com Laranjinha e Bochechas
Mr. Murteira esta ...estica.
Ora bolas para quem sai
Ora bolas para quem fica.

(Se quem passa pelo Rossio)
(olha o placard mesmo em frente)
(qual e a probabilidade
de lhe cair um presente?)

Ora bolas para as urnas
(uma castanha)
(uma roxa)
(uma preta)
(uma amarela)
(de um amarelo mais quente)
Qual é a probabilidade
de sair um Presidente?


(Música: "Ó Oliveira da Serra")


Mister Murteira calcula,
mas calcula muito bem,
ó i, ó ai, Murteirinha diz-me lá
ó i, ó ai, quando vai pr´ó pé da mãe.

(Na Terceira Economia)
pontifica o director.
(Começou na Quarta, um dia,)
desistiu ... o Professor

Acompanham-no à guitarra
o Hernâni, calmeirão,
o Arouca que é sabido,
o outro que sabichão...

(Música: Tia Anica de Loulé)

Ó Hernâni, Ó Hernâni,
não sejas tão presunçoso,
o Arouca copiava,
é assistente, que gozo!
Olé, olá,
tal parelha tá tão má
Olá, olé,
dá-lhes Jacinto c´o pé.

(Ó Santos Fernandes, actualiza-te)
Se pões chinó, dás um salto.
Não ponhas papel no giz,
e vê se falas mais alto.

(Sidreira Lopes) - Sarilhos!
ficou-lhe o queixo na rua
(Ele é da pauta um dos filhos)
A alfândega fica em Lisboa

(La La Labisa disse um dia)
ninguém mais será formado
se na velha Quelharia
alguém disser um bocado.

(O patrão Borges, da Câmara)
Já viu que nunca diz nada
(E é melhor)
(que o Labisa só diria labisada)

(Música :"Lá, Lá, Lá, Lá ..."

Lá Lá Lá Lá
Lá Lá Lá
Lá Lá Lá     
                      (todos) Bisa!

Lá Lá Lá Lá
Lá Lá Lá
Lá Lá Lá
                      (todos) Bisa!

(tanto há-de labisar que há-de aprender!)

O Vidal, especulador,
no bacalhau triunfou.
Mandaram-no dar Gestão
mas nada modificou.

(Música : "Malhão")

Ó Vidal, Vidal,
(palmas, palmas,palmas)
que vida é a tua
(palmas, palmas,palmas)
andas a dar aulas, andas a dar aulas,
e a malta na rua!

(Sô Taxeira, essa Doutrina)
é coisa que há-de rever.
Você acha que o Carlinhos
era assim tão tanso a valer?
(Você, que já foi da Corte,)
é capaz de nos dizer
(Por que é que cá no cantinho
é tão difícil viver)?

Para ensinar aos rapazes,
não sabe o Taxeira mais,
mas para brilhar como os ases,
já ensina generais.

(grito da geral)
                           (Ó Taxeira, Taxeira!
                            Onde é que está o Taxeira?)

(resposta com ar circunspecto)  
                           O Taxeira  foi para os Altos Estudos Militares.

(Mestrrre Barrrbosa, a política)
A política não é prrrá gente.
Ás vezes é como castanha
que se põe na boca ... muito quente!
E então Barrbosa, política,
é prrós outros, quem dirrria,
que no velho e rrrelho Quelhas
se crrria a apolitiquia

(Música : "La Mamam") 

Já estão aqui, chegaram já, 
os dois meninos do papá,
já são doutores, de altos valores,
mas com favores ....
Um ... Um ... Um ...

(Foi-se embora Mestre Broncas)
(Bronca o Da Silva, interino.)
(Ainda este broncava)
(entra outro a broncar fino)

(Era o Jacinto e trazia)
Notas, notas, a saltar.
Não deu nenhumas à malta,
eram para ele assinar.
A malta foi ter com ele
(Havia broncas em curso)
Mestre Jacinto sorriu
(aquele sorriso de ... amigo)

A malta diz que a cantina
até tem panelas rotas.
(Jacintinho ri, de cima),
e vaia assinando notas.

E a malta põe-se a pensar
se o Jacinto tem ou não
tempo p´ra tanta assinar
p´ra acudir à inflação.

Jacinto, Jacintozinho,
Pára lá, escuta agora,
olha bem como está isto,
põe-me a vista cá de fora.

(Música"Quando sair de Cuba) 

Quando sair do Quelhas,
recordações levo comigo,
daquelas salas velhas,
daquele Convento
soturno e antigo.

Quando sair do Quelhas,
vou lamentar tempo perdido,
com matérias velhas,
mal ensinadas, e sem sentido.

Quando sair do Quelhas
levo comigo esta amargura,
não ser a Escola livre,
actualizada,
não estar segura.

Com autonomia
com ousadia,
robusta, sã,
formando em cada dia
a galhardia
do amanhã.

 

2 comments:

Francisco Carvalho said...

Mas que bela evocação!!!...não tendo frequentado o 'Quelhas'(só ia por lá ver alguns bons Amigos)conheci algumas personagens da peça «Aliás» bem caraterizados...parabéns e abç

Rui Fonseca said...

Obrigado, filósofo.
Abç