Porque tomamos certas decisões e não outras? O próprio
termo ‘decidir’ é ambíguo, implicando que as ações resultantes são produto de
uma faculdade chamada livre-arbítrio, ela própria mal definida. Filósofos e
moralistas asseguram que a temos, e a nossa experiência pessoal parece
confirmá-lo. No entanto, segundo alguns neurocientistas, entre os quais o autor
do presente livro, isso poderá ser uma ilusão. Tantos fatores concorrem para
tornar possível uma ação consciente que é legítimo especular se ela não é forçosamente
determinada pela biologia, ainda que de momento não conheçamos todo o mecanismo
por via do qual isso acontece. - Expresso de 19/1, aqui
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A propósito deste tema apontei algumas notas neste caderno de apontamentos. Por exemplo, aqui:
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A propósito deste tema apontei algumas notas neste caderno de apontamentos. Por exemplo, aqui:
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Só compreendo a idolatria por figuras públicas,
frequentemente transitórias, como uma necessidade instintiva, talvez decorrente de outra
imposição dos genes da espécie, nunca satisfeito com os deuses que fez
crescer e multiplicar.
E, afinal, somos cada um de nós, senhores dos nossos
destinos?
Ortega y Gasset afirmava que, cito de cor, o homem é ele
e as suas circunstâncias.
Penso que o homem é tão só a resultante que
enfrenta no mar das circunstâncias em que é lançado no exacto momento em que,
de entre muitos milhões de espermatozóides ejaculados, um atinge um óvulo que
no período se soltou e ficou por pouco tempo à espera.
Einstein, provavelmente o expoente máximo dos limites
atingidos pela inteligência humana nos tempos modernos, fez-se a ele mesmo ou
foi apenas a resultante de um acaso primordial que lhe traçou o percurso
durante toda a sua vida? O génio fez-se ou aconteceu por mero acaso?
E o filho dele, o Eduardo, com esquizofrenia revelada aos
vinte anos? Fez-se ou resultou do momento primordial do acaso
incontornável de um encontro entre muitos milhões possíveis?
Não, não há génios, há acasos incontornáveis. Escolher no
mar das circunstâncias implica optar sendo que a resultado, sempre incerto da
opção, é sempre condicionado pela resultante do acaso primordial... - ACERCA DE DEUSES E GÉNIOS
E aqui:
E aqui:
...
O livre arbítrio é uma armadilha em que
cada um pode cair consoante a fórmula dinâmica gerada no instante da concepção
e das circunstâncias que defronta uma vez lançado no lago amniótico e depois no
mar exterior. O homem, só em parte é um ser racional porque nunca se livra de
alguns instintos primitivos comuns a todos os bichos. A alienação parental, por
exemplo ... - NA CASA DO LOUVA-A-DEUS
Casualmente, tinha lido há dias em "Uma História de Amor e Trevas" de Amos Oz,: ...
"Ela (a mãe de Amos Oz) escreveu-me (à sua irmã) aproximadamente o seguinte: que a hereditariedade, tal como o meio ambiente onde crescemos e a classe social, são cartas que nos distribuem às cegas antes do início do jogo. Aí não há liberdade nenhuma: limitamo-nos a receber o que o mundo nos dá arbitrariamente. Mas, ...., a questão é o que cada um de nós faz das cartas que recebeu? Pois há quem jogue de forma excepcional com cartas não muito boas, e há quem faça precisamente o contrário - esbanjando e perdendo mesmo com cartas maravilhosas! Eis ao que se resume a nossa liberdade: Jogar com as cartas que recebeu. Mas, ..., a forma como jogamos depende, ironicamente, da sorte de cada um, da paciência, da inteligência, da intuição e da audácia, virtudes essas que também dependem das cartas que nos distribuem, sem que nos perguntem nada. E sendo assim, o que é que nos resta da tal liberdade de escolha?
Não muito, ... , talvez apenas a liberdade de rir ou de chorar da nossa situação, de jogar ou não, de tentar compreender as implicações ou de desistir de o fazer, em resumo - temos a possibilidade de escolher entre passar a vida despertos ou apáticos. "
Ou nem isso, penso eu. Quem nasceu para apático pode não chegar a despertar.
Mas que ninguém confunda esta afirmação com determinismo ou fatalidade. A sorte não se deita sempre para o mesmo lado.
Cada sujeito navega do lago amniótico, onde começa por defrontar circunstâncias que não domina, para o mar das circunstâncias exteriores onde o seu percurso é influenciado por circunstâncias fortuitas e pelas capacidades (pelas cartas) que recebeu, não escolheu, à partida.
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Casualmente, tinha lido há dias em "Uma História de Amor e Trevas" de Amos Oz,: ...
"Ela (a mãe de Amos Oz) escreveu-me (à sua irmã) aproximadamente o seguinte: que a hereditariedade, tal como o meio ambiente onde crescemos e a classe social, são cartas que nos distribuem às cegas antes do início do jogo. Aí não há liberdade nenhuma: limitamo-nos a receber o que o mundo nos dá arbitrariamente. Mas, ...., a questão é o que cada um de nós faz das cartas que recebeu? Pois há quem jogue de forma excepcional com cartas não muito boas, e há quem faça precisamente o contrário - esbanjando e perdendo mesmo com cartas maravilhosas! Eis ao que se resume a nossa liberdade: Jogar com as cartas que recebeu. Mas, ..., a forma como jogamos depende, ironicamente, da sorte de cada um, da paciência, da inteligência, da intuição e da audácia, virtudes essas que também dependem das cartas que nos distribuem, sem que nos perguntem nada. E sendo assim, o que é que nos resta da tal liberdade de escolha?
Não muito, ... , talvez apenas a liberdade de rir ou de chorar da nossa situação, de jogar ou não, de tentar compreender as implicações ou de desistir de o fazer, em resumo - temos a possibilidade de escolher entre passar a vida despertos ou apáticos. "
Ou nem isso, penso eu. Quem nasceu para apático pode não chegar a despertar.
Mas que ninguém confunda esta afirmação com determinismo ou fatalidade. A sorte não se deita sempre para o mesmo lado.
Cada sujeito navega do lago amniótico, onde começa por defrontar circunstâncias que não domina, para o mar das circunstâncias exteriores onde o seu percurso é influenciado por circunstâncias fortuitas e pelas capacidades (pelas cartas) que recebeu, não escolheu, à partida.
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“Comportamento” vem ocupar um lugar nessa intersecção de ciência e filosofia. O autor, Robert Sapolsky, é um cientista importante e divulgador de ciência, com uma combinação de especialidades no mínimo original. Além de neurobiólogo, dedica-se ao estudo de babuínos no Quénia. Em particular, interessam-lhe os efeitos do stresse nos babuínos, o que parece ser um tema com grande potencial de extrapolação para os humanos. Sapolsky explica que os babuínos só precisam de trabalhar três horas diárias para ganhar o seu sustento, ficando com grande parte do dia livre para chatear — “conspirar, lutar e difamar” — os outros babuínos.
Os paralelos vão mais longe. “A agressividade deslocada induzida pelo stresse (ou pela frustração) é generalizada em várias espécies”, escreve Sapolsky. “Entre os babuínos, quase metade das agressões é desse tipo: um macho de alto nível hierárquico perde uma briga e persegue um macho subadulto, que prontamente morde uma fêmea, que então investe contra um filhote (...) Quanto mais um babuíno tende a descontar a sua agressividade depois de perder uma briga, menores são os seus níveis de glicocorticoides”.
Ele tem o cuidado de notar que os humanos são especialmente dados a esse tipo de reação, como se vê pelos aumentos de violência familiar em recessões económicas ou após uma derrota desportiva. A tendência humana para agredir os outros como reação à frustração é facilitada pela enorme quantidade de objetos de desejo e de ódio que a nossa sociedade gera. O papel das ideias na criação de miséria humana é explorado em vários capítulos, incluindo um intitulado “Nós Contra Eles”. “Metáforas pelas Quais Matamos” é igualmente sugestivo.
Interessantes como essas partes são, elas constituem apenas uma fração da história. “Comportamento” tem como objetivo pôr em relevo as causas diretas e remotas de uma ação humana, desde aquilo que se passa há um segundo no cérebro — e há segundos ou minutos no ambiente à nossa volta — até evoluções que aconteceram ao longo de séculos, quando a sociedade em que vivemos foi adquirindo as características distintivas. Ou há milénios, quando se produziram mudanças irreversíveis na paisagem da Terra. Ou antes do nascimento.
Cada uma dessas coisas teve efeitos sobre o cérebro. É lá que todos os elementos e momentos da história confluem, e é ele o verdadeiro centro do livro. As revelações são tais que nos levam a questionar que margem de escolha pessoal resta numa ação humana — uma dúvida com implicações, por exemplo, na justiça criminal. Se concluirmos que o livre-arbítrio de facto não existe, como justificar uma pena de prisão? Ignorar o papel da biologia num crime pode ser arbitrário, mas ainda o é mais afirmar que ela elimina a culpa — a razão do castigo enquanto tal, para além do seu efeito dissuasor. A compreensão atual das decisões humanas não atingiu um estado de perfeição que nos consinta dar esse passo.
Para quem tiver nem que seja uma curiosidade residual sobre os assuntos deste livro, um aviso: se começar a ler, arrisca-se a ter de adiar os seus planos para o serão. “Comportamento” explica matérias complexas de uma forma tão clara, segura e sensata, e ao mesmo tempo tão naturalmente coloquial, que consegue tornar agradável aquilo que noutros autores poderia soar obscuro.
No capítulo “De Volta ao Berço, de Volta ao Útero”, bastam duas meias páginas para descrever uma versão do Inferno quando se fala dos orfanatos romenos em 1989. “O que acontece quando tudo dá errado — nenhuma mãe ou família, interação mínima com os pares, negligência emocional e cognitiva e mais um pouco de subnutrição? (...) Como adultos, esses órfãos são em grande parte aquilo que se esperaria: têm baixo Q.I. e habilidades cognitivas deficientes; dificuldades para estabelecer relações, muitas vezes beirando o autismo; ansiedade e depressão em abundância.”
“Há redução do tamanho cerebral total”, continua o texto, “nas substâncias cinzenta e branca, no metabolismo cortical frontal, na conectividade entre as regiões e no tamanho das áreas individuais do cérebro. Exceto pela amígdala, que é aumentada. Isso basicamente diz tudo”. A amígdala é a parte do cérebro mais envolvida no medo e na ansiedade. E também na agressão.
“Há redução do tamanho cerebral total”, continua o texto, “nas substâncias cinzenta e branca, no metabolismo cortical frontal, na conectividade entre as regiões e no tamanho das áreas individuais do cérebro. Exceto pela amígdala, que é aumentada. Isso basicamente diz tudo”. A amígdala é a parte do cérebro mais envolvida no medo e na ansiedade. E também na agressão.
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