A
ler o artigo de Paulo Curado no Público de ontem - Romelu Lukaku: “Na Bélgica
já não me pedem a identificação” - A surpreendente história e o exemplo de
vida do melhor marcador da história da selecção belga. Nesta terça-feira, um
país de muitas cores e línguas aguarda pela sua inspiração frente à França.
", emocionei-me,
numa hora amarga.
A Bélgica perdeu contra a França, Lukaku teve uma actuação discreta, quase apagada, não será campeão do mundo este ano, mas não é por essa razão nem pelo desenrolar do encontro, nem pelo resultado final que a minha emoção, quando agora releio o testemunho de Lukaku, se esvaiu.
Eu não sabia nada acerca de Lukaku, mas
fiquei a perceber que, para além de um atleta de alto gabarito, é um homem
íntegro, ancorado nas raízes familiares, imbuído dos valores morais que a
sociedade europeia, individualista, egoísta, a caminhar a passos largos para o
cenário, racista, xenófobo, nacionalista, que em meados do século passado ateou
fogo ao mundo inteiro, despreza.
"Aos 25 anos, Romelu
Lukaku é uma lenda no futebol belga. É o melhor marcador da história da
selecção. É a estrela do ataque do Manchester United. ... É também um
jovem humilde que a fama não mudou. Tem uma maturidade anormal moldada por
sacrifícios e uma fé inabalável.
Para além do pai e da mãe,
o avô, no Congo [antiga colónia belga], era a pessoa mais importante da sua
vida, com quem falava sempre que podia ao telefone.
“Ele era a minha ligação ao
Congo, de onde são os meus pais. Um dia liguei-lhe e disse-lhe que o meu
futebol estava a correr muito bem, que tinha marcado 76 golos, que vencemos o
campeonato e que as grandes equipas começavam a reparar em mim. Normalmente ele
queria saber, mas dessa vez estava estranho.
- ‘Sim Rom, isso é bestial.
Mas podes fazer-me um favor?’- ‘Claro, o que é?
- ‘Podes olhar pela minha
filha, por favor?’
Fiquei muito confuso.
- ‘A mamã? Sim, tudo bem.’
- ‘Não, promete-me. Podes
prometer-me? Trata da minha filha. Cuida dela por mim, está bem?’
- ‘Sim avozinho. Entendi.
Eu prometo.’
Cinco dias depois ele
morreu e eu percebi tudo. Fico tão triste ao pensar nisto, porque gostava
que ele tivesse vivido mais quatro anos para me ver a jogar no Anderlecht. Para
saber que tinha cumprido a minha promessa e que tudo ia ficar bem.”
“Quando
as coisas corriam mal na selecção os jornais chamavam-me Romelu Lukaku, o
atacante belga de origem congolesa; quando corriam bem, era Romelu Lukaku, o
atacante belga. Alguns riam-se de mim quando não estava a jogar no Chelsea e
fui emprestado. Mas não estavam comigo quando tinha de pôr água nos cereais e
não podem realmente entender-me. Se não gostam da minha forma de jogar, tudo
bem. Mas eu nasci aqui. Cresci em Antuérpia, Liége e Bruxelas.”
Romelu
nunca esconde o orgulho pelo país e por vestir a camisola da selecção, com a
qual fez história individual e colectiva. Já não pode contar ao avô que agora
todos conhecem o apelido da família.
“Falo
francês, holandês, alemão, espanhol ou português, dependendo do bairro onde
estiver em Bruxelas. Somos ‘todos’ belgas. É isso que torna este país fixe, não
é?”
Devia ser, Lukaku, devia ser.
Devia ser, Lukaku, devia ser.
Antes
do jogo e da leitura do Público, tinha enviado a seguinte mensagem aos nossos
emigrantes:
"Aposto que ganha a
Bélgica, e será, segundo meu palpite a vencedora do mundial.
Interessante é que tanto do
lado da França como da Bélgica a grande maioria dos jogadores ou são emigrantes
ou descendentes de emigrantes, facto que deve colocar os nacionalistas, os
neo-nazis, os racistas, e outros da mesma espécie, a espumar de raiva."
Para quem não perceba
porquê recomendo a leitura de
https://www.theguardian.com/education/2002/jan/04/highereducation.books
Hitler
1936-45: Nemesis by Ian Kershaw