Wednesday, July 11, 2018

O AVÔ DE LUKAKU

A ler o artigo de Paulo Curado no Público de ontem -  Romelu Lukaku: “Na Bélgica já não me pedem a identificação” - A surpreendente história e o exemplo de vida do melhor marcador da história da selecção belga. Nesta terça-feira, um país de muitas cores e línguas aguarda pela sua inspiração frente à França. ", emocionei-me, numa hora amarga.

A Bélgica perdeu contra a França, Lukaku teve uma actuação discreta, quase apagada, não será campeão do mundo este ano, mas não é por essa razão nem pelo desenrolar do encontro, nem pelo resultado final que a minha emoção, quando agora releio o testemunho de Lukaku, se esvaiu. 

Eu não sabia nada acerca de Lukaku, mas fiquei a perceber que, para além de um atleta de alto gabarito, é um homem íntegro, ancorado nas raízes familiares, imbuído dos valores morais que a sociedade europeia, individualista, egoísta, a caminhar a passos largos para o cenário, racista, xenófobo, nacionalista, que em meados do século passado ateou fogo ao mundo inteiro, despreza. 

"Aos 25 anos, Romelu Lukaku é uma lenda no futebol belga. É o melhor marcador da história da selecção. É a estrela do ataque do Manchester United. ... É também um jovem humilde que a fama não mudou. Tem uma maturidade anormal moldada por sacrifícios e uma fé inabalável.

Para além do pai e da mãe, o avô, no Congo [antiga colónia belga], era a pessoa mais importante da sua vida, com quem falava sempre que podia ao telefone.
“Ele era a minha ligação ao Congo, de onde são os meus pais. Um dia liguei-lhe e disse-lhe que o meu futebol estava a correr muito bem, que tinha marcado 76 golos, que vencemos o campeonato e que as grandes equipas começavam a reparar em mim. Normalmente ele queria saber, mas dessa vez estava estranho.

- ‘Sim Rom, isso é bestial. Mas podes fazer-me um favor?’- ‘Claro, o que é?
- ‘Podes olhar pela minha filha, por favor?’
Fiquei muito confuso.
- ‘A mamã? Sim, tudo bem.’
- ‘Não, promete-me. Podes prometer-me? Trata da minha filha. Cuida dela por mim, está bem?’
- ‘Sim avozinho. Entendi. Eu prometo.’
Cinco dias depois ele morreu  e eu percebi tudo. Fico tão triste ao pensar nisto, porque gostava que ele tivesse vivido mais quatro anos para me ver a jogar no Anderlecht. Para saber que tinha cumprido a minha promessa e que tudo ia ficar bem.”

“Quando as coisas corriam mal na selecção os jornais chamavam-me Romelu Lukaku, o atacante belga de origem congolesa; quando corriam bem, era Romelu Lukaku, o atacante belga. Alguns riam-se de mim quando não estava a jogar no Chelsea e fui emprestado. Mas não estavam comigo quando tinha de pôr água nos cereais e não podem realmente entender-me. Se não gostam da minha forma de jogar, tudo bem. Mas eu nasci aqui. Cresci em Antuérpia, Liége e Bruxelas.”

Romelu nunca esconde o orgulho pelo país e por vestir a camisola da selecção, com a qual fez história individual e colectiva. Já não pode contar ao avô que agora todos conhecem o apelido da família.
“Falo francês, holandês, alemão, espanhol ou português, dependendo do bairro onde estiver em Bruxelas. Somos ‘todos’ belgas. É isso que torna este país fixe, não é?”
Devia ser, Lukaku, devia ser. 

Antes do jogo e da leitura do Público, tinha enviado a seguinte mensagem aos nossos emigrantes: 
"Aposto que ganha a Bélgica, e será, segundo meu palpite a vencedora do mundial.
Interessante é que tanto do lado da França como da Bélgica a grande maioria dos jogadores ou são emigrantes ou descendentes de emigrantes, facto que deve colocar os nacionalistas, os neo-nazis, os racistas, e outros da mesma espécie, a espumar de raiva."

Para quem não perceba porquê recomendo a leitura de
 https://www.theguardian.com/education/2002/jan/04/highereducation.books
Hitler 1936-45: Nemesis by Ian Kershaw


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