Monday, December 18, 2017

ESTADO HOMICIDA

"Marques Mendes disse este domingo, no seu comentário semanal na SIC, que o Ministério Público vai acusar o Estado e outras entidades de homicídio por negligência no caso do incêndio de Pedrógão."- aqui

Ouvi ontem o comentador Marques Mendes afirmar o que acima transcrevo do Público.
Supus naquele momento ter entendido mal, e nem sequer me dei ao trabalho de rever a afirmação feita. Afinal, não ouvi mal. Segundo MM, o Estado pode ser acusado de homicídio ou, dito de outro modo, o Estado pode ser homicida. 

Andamos sempre aprender, mas creio  que a afirmação de MM, apesar da formação jurídica do autor, decorre de um erro semântico frequente entre comentadores e jornalistas. A menos que o jargão jurídico se tenha afastado tanto do entendimento comum que o homem comum não pode atingi-lo. 

Não é a primeira vez que anoto neste caderno a minha indisposição perante o uso do nome do Estado das formas mais descabidas e descabeladas. 
Nem sempre esse uso abusivo decorre da ignorância do significado do conceito mas de uma forma engenhosa de evitar identificar culpados enviando todas as acusações de que são alvo para o endereço abstracto de um ente abstracto, que por ausência de capacidade volitiva não é, porque não pode ser, culpado de qualquer facto, e, em particular, de factos criminosos. 

Recorro ao Google para transcrever as últimas entradas relacionadas com os termos "Estado" e "homicida". 

- "Homicida recebe 600 euros do Estado"
- "Estado paga 20 mil euros por fuga de homicida"
- "Estado condenado por deixar fugir homicida"
- "Estado condenado por fuga de homicida para o Brasil
- "Estado falhou com o jovem suspeito de homicídio"

Só por estropiamento de linguagem se podem imputar ao Estado, p.e., responsabilidades na fuga de homicida. Provavelmente, as culpas serão atribuíveis aos guardas prisionais,  ou ao director da prisão de onde se evadiu o homicida, ou ao ministro da Justiça, ou ao Governo. 
E um homicida pode receber 600 euros do Estado? Pelos vistos, pode receber. Do Estado, não.
O Estado não paga nem recebe. Quem paga? Os contribuintes. Quem recebe? Muita gente, incluindo homicidas.

Se houvesse precisão na linguagem, as consequências seriam enormes.
A afirmação, incorrecta mas corrente, que, por exemplo, o Estado paga 600 euros a um homicida, tem um impacto na opinião pública claramente diferente daquela que teria afirmar, correctamente, que os contribuintes pagam 600 euros a um homicida.

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21/12/207

"O Estado vai emprestar diretamente dinheiro ao fundo dos lesados do BES, em vez de esta entidade recorrer a financiamento de um sindicato bancário que teria uma garantia estatal. A decisão visa tornar o pagamento da primeira tranche mas rápido e barato, diz o advogado da associação dos lesados do papel comercial" - aqui

O Estado empresta? 
O Estado não empresta nada. Quem empresta são os contribuintes por decisão do actual Governo,  tutor em exercício da gestão dos interesses colectivos.

Correl . - Para acabar com os lesados dos lesados

2 comments:

Francisco Carvalho said...

...'o Estado não paga, quem paga são os contribuintes'...logo se eu disser o'o Estado é f.da p.'estou a ofender os 'contribuintes'...abç

Rui Fonseca said...


Boa silogística ou não fosse o meu bom Amigo um filósofo!

Mas é assim mesmo. Ao Estado chama-se e culpa-se de tudo.
O comentador Marques Mendes admite que o Estado possa ser considerado homicida e, se for o caso, presume-se que seja encarcerado.

Por outro lado, a jurisprudência já terá chegado a um consenso: f.da p. é gíria popular.
F.de p. é ofensa. E então coloca-se mais uma questão: Quem seria, no segundo caso, a mãe do Estado?

Silogismos à parte: Ofender o Estado, na acepção que estamos a considerar, é, na minha opinião, uma auto ofensa. Somos todos parte do Estado, porque todos, de uma forma ou de outra, somos contribuintes. Cometem-se erros e até crimes em nome do Estado. Não é o Estado que os comete mas aqueles em quem, directa ou indirectamente, delegámos competências para administrar os interesses colectivos.

O Estado não tem vontade própria logo não é imputável.
A quem é imputável o crime de homicídio nos incêndios de verão? Compete à justiça averiguar.
Mas, inquestionavelmente, ao Estado não pode ser.

Bom Natal!
Bom Ano!
Abç