Mr. Zelensky goes to Washington
O título deste artigo é óbvio, tal como são óbvias as coisas que tenho para dizer. Só que muitas vezes – talvez demasiadas vezes – dizer o óbvio é necessário e urgente. A ida de Volodymyr Zelensky a Washington a poucos dias do Natal tem um peso simbólico gigantesco, e deve ser celebrada por todos os homens de boa vontade. Chamem-me piroso: o Presidente da Ucrânia é hoje a grande figura mundial no combate pelos valores do Ocidente – democracia, liberdade, autodeterminação –, e é graças ao sangue e ao sacrifício de milhões de ucranianos que o mundo ocidental, ainda há bem pouco tempo perdido em guerras culturais estapafúrdias e obcecado por causas fúteis, parece ter reencontrado o rumo e a decência.
No seu discurso no Congresso dos Estados Unidos, Zelensky começou por agradecer o “apoio financeiro” da América. “Muito obrigado”, disse ele, pelos “pacotes financeiros que já nos forneceram e por aqueles que estarão dispostos a oferecer.” Mas logo acrescentou uma frase certíssima e fortíssima, que espero que ressoe nas consciências dos americanos, mas sobretudo dos europeus: “O vosso dinheiro não é caridade. É um investimento na segurança global e na democracia.” E é mesmo.
Ora, esse investimento só foi possível – só se tornou inevitável – porque no dia 24 de Fevereiro, quando a Rússia iniciou a sua “operação especial” que tantos garantiram que nunca aconteceria, Volodymyr Zelensky permaneceu no seu posto e não fugiu. Ninguém apostava 50 cêntimos na capacidade da Ucrânia em resistir ao Exército russo. Dizia-se que em três dias os tanques de Putin estariam em Kiev. Não aconteceu. E foi assim que a famosa frase que ninguém sabe se Zelensky realmente disse, quando convidado pelos americanos a abandonar o país na sequência da invasão russa – “Preciso de munições, não de boleia” –, se transformou no lema de resistência de uma nova e orgulhosa nação, e uma das máximas que ficarão gravadas nos livros de História. Não é coisa pouca.
Miguel Sousa Tavares termina o seu artigo no último Expresso com estas palavras: “Não há nenhum génio ou herói em Volodymyr Zelensky. Apenas o acaso de estar no lugar certo e no momento certo para se aproveitar do imenso e trágico erro de cálculo de Vladimir Putin.” Eis a mais espantosa incapacidade para ver o óbvio ilustrada por um dos mais populares colunistas portugueses. Miguel Sousa Tavares passou meses a apostar no Expresso que a Rússia nunca invadiria a Ucrânia – e foi ridicularizado por Putin. Eu escrevi um texto no PÚBLICO, dois dias após a invasão, no qual garantia que, “militarmente”, a Ucrânia estava “perdida” – e fui ridicularizado por Zelensky. Felizmente, a mim já me passou.
Da permanência em Kiev à ida a Kherson, passando pelas várias visitas à frente de batalha, não faltam exemplos de coragem física por parte do Presidente ucraniano. Mas o mais importante no seu heroísmo não é isso – é ter conseguido arrastar o mundo ocidental para a defesa da causa do seu país, e de ter ajudado a aumentar o nível político das lideranças europeias, com Ursula von der Leyen à cabeça.
No momento mais crítico após a Segunda Guerra Mundial, a Europa teve duas vezes sorte: 1) a sorte de ter um velho experiente a liderar os EUA, que sabe o que foi a URSS e os equilíbrios da Guerra Fria; 2) a sorte de ter um jovem inexperiente a liderar a Ucrânia, que não sabe o que é a mediocridade táctica da política contemporânea. Cada um à sua medida, foram os grandes heróis de 2022. Um feliz e santo Natal para todos.
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