Wednesday, July 21, 2021

FUNDAÇÔES SEM FUNDAMENTO

Há números para todos os gostos quando se pergunta quantas fundações existem - aqui

Numa altura em que o Parlamento altera a Lei-Quadro das Fundações, um estudo promovido pelo Centro Português de Fundações defende que é “urgente” saber quantas e quais existem. “Este desconhecimento é contraproducente” e contrário à transparência.


As misericórdias são associadas, “com mais intensidade”, à ajuda e as fundações “à ideia de lucro” Nuno Ferreira Santos .                                                                                      Quantas fundações existem em Portugal? Esta é a pergunta para um milhão de dólares sempre que se fala sobre o assunto. E porquê? Porque não há uma resposta fechada. Num estudo publicado esta quarta-feira pelo Centro Português de Fundações (CPF), os investigadores revelam que foi possível identificar oito números diferentes para retratar o universo de fundações, pedem urgência na caracterização desta área e defendem que a opacidade não joga a favor do sector, quando as próprias fundações já lidam com uma percepção social de que estas são constituídas para dar lucro ou para fugir aos impostos.    O estudo sobre o Impacto Social das Fundações Portuguesas, dirigido pela Católica Porto Business School da Universidade Católica Portuguesa e promovido pelo CPF, tem como objectivo “conhecer e dar a conhecer o impacto social das fundações privadas”. No entanto, os investigadores confrontaram-se com um problema de base: a falta de informação sobre quantas e quais são as fundações. Os autores do estudo identificaram dados de entidades oficiais e não oficiais, reunindo assim um conjunto de oito números para o universo das fundações. O Instituto dos Registos e do Notariado disponibiliza a listagem das fundações registadas no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, “que incluir 873 fundações (a 3 de Setembro de 2020) privadas e públicas (de direito privado)”.           Já o Instituto Nacional de Estatística (INE) diz que são 619 fundações, à data de 29 de Julho de 2019, que os investigadores deduzem serem privadas visto serem da economia social. Já o portal dos serviços públicos eportugal.gov.pt disponibiliza uma lista de 53 fundações, “sem explicar o critério subjacente à escolha (a 27 de Março de 2021)”. Foram encontrados outros números através de entidades não oficiais — a base de dados SABI fala em 322 fundações, a base de dados Informa - Dun&Bradstreet identifica 598, o CPF tem 141 fundações associadas, o Sistema de Informação da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas aponta para 646 fundações, e a Base de Dados Social, um portal recente que ainda está a receber informação, tem 54 registos de fundações.                        Esta falha na informação é evidenciada numa altura em que o Parlamento mexe na Lei-Quadro das Fundações. A proposta do Governo para as fundações privadas pretende dar mais poderes ao executivo na sua extinção, bem como a possibilidade de aplicação de multas até 10 mil euros para as fundações falsas. Num parecer à proposta do executivo, o CPF considerou existirem avanços, mas colocou em cima da mesa ideias, entre outras, para combater “o clima de suspeição que paira (injustamente!)” sobre as fundações. A má imagem das fundações: o lucro e a fuga aos impostos.   Sem um retrato fidedigno (até tendo em conta limitações dos próprios dados como a distinção entre fundações públicas e privadas ou a falta de acesso a maior detalhe na informação) de quantas são e quem são, os autores do estudo consideram que falta conhecer desde logo uma “simples listagem das fundações privadas, em actualização permanente”. Um desafio que, ao não ser assumido por entidades públicas, deve ser assumido pelo próprio sector. “Não tendo o Estado tido a capacidade de o fazer, até ao momento, apesar do escrutínio realizado em 2012 e da responsabilidade assumida recentemente pelo Instituto de Registos e Notariado, poderá ser uma iniciativa do sector, que só terá a beneficiar com esse esforço de transparência”, defende o CPF presidido por Maria do Céu Ramos.  646 Número de Fundações registado pelo Sistema de Informação da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas

Até porque a ideia que a sociedade civil tem das fundações não é a melhor. “Este desconhecimento é contraproducente, contrariando o espírito de transparência”, diz o estudo. Aliás, os autores lembram que a Lei-Quadro das Fundações prevê exigências em matéria de transparência, como por exemplo, a descrição do património inicial da fundação, assim como o montante de ajudas públicas que recebem. Imposições que se aplicam às fundações privadas com estatuto de utilidade pública.

Lembram também que, por definição, uma fundação não tem como objectivo gerar lucros e que, se estes existirem têm de ser reinvestidos na própria fundação, mas avisam que não é esta a ideia que a sociedade tem das mesmas. Recorrendo aos resultados de um inquérito à população sobre a visão que as pessoas têm das fundações, de Janeiro de 2021, feito pela Social Data Lab — um laboratório de produção e análise de dados , os autores dizem que, no geral, existe uma boa opinião sobre as fundações, mas reconhecem aspectos menos positivos sobre as mesmas. As misericórdias são associadas, “com mais intensidade”, à ajuda e as fundações “à ideia de lucro”. “Como motivos para criar uma fundação, surgem, com alguma intensidade, respostas como o pagar menos impostos ou o ganhar dinheiro”, contam os autores. 

Apesar das limitações quanto ao conhecimento do que são as fundações e de a sua imagem não ser a melhor, os autores concluem que o seu impacto social é superior ao que elas representam. Partindo dos dados do INE, os autores adiantam que “as fundações geram na economia portuguesa emprego, remunerações e valor acrescentado bruto em montante muito superior ao peso que têm no universo da economia social em termos de número de entidades”. “Constituindo 0,9 % das entidades da economia social, pesam 6 % no emprego (emprego a tempo completo), 7% nas remunerações e 6,9% no Valor Acrescentado Bruto desse universo”, revela o estudo. Os dados do INE, que reportam a 2016, mostram que 619 fundações da economia social empregavam 14.113 trabalhadores e pagavam 304 milhões de euros em remunerações. Os serviços sociais, a saúde e a educação são os sectores onde estão mais presentes. 

No estudo foram analisados 12 fundações em concreto, entre elas a Fundação Calouste Gulbenkian, criada em 1956, com 550 trabalhadores (a que emprega um maior número de pessoas entre as 12 fundações analisadas) e com um activo total avaliado em 3,2 mil milhões de euros, o de maior dimensão entre os casos estudados.

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