Monday, August 28, 2006

CIMENTO & CONHECIMENTO



A nossa terra é certamente o sítio dilecto de Frei Tomás, onde as pregações se sentam na bancada oposta dos factos.

Parece que toda a gente está de acordo com o lema: mais conhecimento e menos cimento. O Governo actual fez desta dicotomia de objectivos um dos seus cavalos de batalha prometendo podar no primeiro e enxertar no segundo. Ao fim de mais de um ano de evolução dos propósitos, os resultados não são animadores.

Questionados sobre se “o Governo está a promover um verdadeiro choque tecnológico”, dos 12 magníficos que fazem parte do barómetro do “Expresso” (Caderno de Economia de 5/12), 6 responderam negativamente ou andaram por lá perto, 3 não responderam por estarem de férias, e apenas 2 responderam favoravelmente. Por outro lado, as propostas governamentais mais discutidas na praça pública enchiam-se de cimento: a Ota e o TGV.

Propaganda política aparte, e descontados os enviesamentos partidários das análises dos comentadores, o que se constata, na realidade, é que tanto no caso do cimento como no do conhecimento, em Portugal, ambos os sectores de actividade continuam a acumular stocks, o mesmo é dizer que a produção é superior à procura. Comparação chocante e conclusão discutível, bem sei, mas são a elas que nos conduzem imperturbavelmente os números. Se não, vejamos:

Segundo notícias recentes (“Expresso” de 19/8) “o número de desempregados com licenciatura subiu 14% em Julho, atingindo 38 mil inscritos nos Centros de Emprego, o que representa 9% do total de desempregados registados. E isto sucede quando as taxas de desemprego global mostram uma tendência ligeiramente decrescente, ainda que, porventura, sazonal. Se a estes números juntarmos os sub ocupados e os sobre qualificados para as funções que desempenham, aquele número deve mais do que duplicar. Excepções conhecidas, só os casos de Medicina e Enfermagem, provocadas pelos interesses vesgos corporativos, no primeiro caso, e por indução dos primeiros, no segundo.

No mesmo semanário, o professor universitário J. Bidarra alerta para “o declínio das universidades” portuguesas, fundamentalmente, segundo ele, devido à contracção que está a observar-se na “produção” universitária, em consequência i) da redução do número de cursos superiores (o Ministério determinou o encerramento de 400 licenciaturas com menos de 20 alunos), ii) razões demográficas. Consequências à vista: a redução do número de docentes e a fuga de muitas capacidades para universidades estrangeiras.

No “Público” de hoje, 22/8: “Fenprof diz que 35 mil candidatos a um contrato numa escola terão ficado sem lugar”.

Estamos, portanto, perante contradições insanáveis dentro do sistema actual: por um lado, produzem-se competências que não têm saídas profissionais, por outro lado, esse excesso ameaça de desemprego os profissionais que as formam, ao mesmo tempo que, invoca-se, o país não progride porque não dispõe de capacidades suficientes para sustentar um modelo de crescimento mais exigente de conhecimentos. As despesas com a educação, em percentagem do PIB, situam-se acima da média europeia ao mesmo tempo que os resultados continuam desanimadores. No secundário, onde o problema da educação é mais crítico que no universitário, porque é aquele nível que se pode transformar o país do ponto de vista educativo, os resultados continuam a ser desanimadores. O abandono escolar mantém-se elevado ao mesmo tempo que sobram os professores.

Continua, por outro lado, o tam-tam antigo de que o país necessita de mais tecnologia mas as ofertas de emprego saltam em todo o lado do lado das vendas e de outras funções que dispensam bem essa coisa, para muitos bizarra, da matemática. Aliás, para muita gente chique acha que é de bom tom abominar as matemáticas.

Também há quem continue a reclamar que temos poucos doutores, daqueles a sério. No entanto os doutores não encontram saídas profissionais fora das universidades, mas nestas os quadros estão completos e ninguém arranca dali enquanto não passar à reforma. Além do mais, o factor endogénico, típico da universidade portuguesa, sobretudo nas mais antigas, que coopta amigos e afilhados, está a obrigar muitos doutorados em áreas científicas, aquelas em que é suposto termos maior deficit, a emigrar.

Do lado do cimento, o mal amado, só há boas notícias.

Apesar dos sintomas de rejeição anunciados pelo Governo, os temas mais discutidos como eventuais motores do crescimento a médio e longo prazo, têm sido a Ota e o TGV. E a economia, drogada com as actividades da construção civil a todos os níveis, não pode prescindir das doses habituais sob pena de entrar em coma.

A banca, à falta de outras aplicações louváveis, pressiona o público no sentido de comprar mais a crédito coisas de que nem sempre necessita e a investir em imobiliário. Temos o maior número de habitações por família, estamos francamente acima da média da União Europeia (76% contra 63%) enquanto detentores de casa própria. O que só não é uma vantagem evidente porque muita gente continua a habitar espaços degradados.

A média, evidentemente, resulta de muito investimento em segundas e terceiras residências e em aplicações meramente especulativas.
A especulação imobiliária, que não augura nada de bom, deveria ser desanimada através de políticas que privilegiassem a recuperação do parque habitacional actual, dando-se toda a prioridade à apreciação desses projectos e isentando-os de custos, ao mesmo tempo que deveriam ser onerados os custos de apreciação camarária dos projectos para construção nova.

Uma das mais badaladas saídas para a resolução da degradação do parque habitacional e da falta de habitação para muitos jovens é a lei das rendas. Mas é uma falácia.

Os novos senhorios são os bancos e por eles passam, fundamentalmente, os arrendamentos actuais. Neste sentido, e não parece que vá acontecer outro, o mercado do arrendamento existe mas não resolve os problemas que decorrem de um crescimento do stock de habitações para venda, ou especulativamente expectantes, e da falta de habitação minimamente condigna para muitos.

O cimento e o conhecimento não são antagónicos, contrariamente ao que, demagogicamente, muitos querem fazer crer. Mas ambos necessitam de políticas que forcem o ajustamento da oferta à procura, melhorando sobretudo a qualidade da oferta.

Mas tudo continuará na mesma se: o ensino universitário público continuar a ser tendencialmente gratuito, se as escolas do ensino secundário continuarem em quase auto gestão e se não foram adoptadas medidas que contrariem a prosperidade dos investimentos especulativos e o abandono dos projectos produtivos.


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