Friday, March 10, 2006

A HISTÓRIA DO SÍTIO


Anteontem, a rádio (RDP, Antena 2) dava conta do lançamento de mais uma editora no mercado português, desta vez suportada por um grupo italiano ligado a um dos principais jornais diários daquele país. O objectivo, segundo o responsável pela empresa, é o de explorar nichos de mercado até agora não explorados entre nós. E deu como exemplo os temas relacionados com a “História de Portugal”. Provavelmente não escutou o seu colega da Guerra & Paz na semana anterior.

De qualquer modo a história cá do sítio está na moda. O “Expresso” de Sábado passado (3/3) publicitava a edição de uma colecção de 12 histórias encomendadas (também estas, a literatura por encomenda parece estar ser outro novo filão a explorar pelas editoras) e dedicadas aos mais novos. Os textos, dirigidos a crianças até aos nove anos, serão biográficos de outros tantos reis de Portugal e a autora promete neles “ir ao encontro do universo infantil, do sonho, e da criatividade. Mostrar como os reis também foram crianças que brincaram e sonharam”. A Presidente da APH diz que é perfeitamente possível “conciliar o rigor histórico com uma linguagem mais acessível para crianças”.

Não se duvida da capacidade da autora em cumprir os objectivos mas é forçoso reconhecer que se trata de tarefa complicada.

Desde logo, e para começar, tem de contar às crianças que o rei primeiro, D. Afonso Henriques, o único aliás que punha o apelido no cartão de visita, vá lá saber-se porquê, andou a combater a mãe para obedecer à ordens que o pai lhe terá dado, quando estava a morrer, de manter o território herdado em suas mãos. Não parece que seja uma boa história para contar às crianças em idade tão tenra.

Depois, terá de contar que, uma vez resolvido o problema da herança, o conquistador decidiu vir por ali abaixo cortar o pescoço aos muçulmanos que não se rendessem ou não fugissem suficientemente depressa. Uma história políticamente incorrecta não só para as crianças como para os adultos quando a questão dos “cartoon” está a incendiar o mundo da forma que se tem visto.
Depois o D. Dinis, que fez tudo quanto quis, também fez mais bastardos que aqueles que a rainha santa desejaria. Como é que estas coisas se explicam às crianças? Os cantares de amigo são uma saída mas a verdade histórica fica diminuída. De qualquer modo o rei lavrador tem pontas por onde se pegar.

Quem não tem pontas que levem a histórias minimamente contáveis às crianças é D. Pedro I a menos que se conte apenas meia história da carochinha. Contar a história toda com corações arrancados como quem amanha um frango e rematá-la com a coroação de um cadáver, pode contar-se mas dará, seguramente, maus resultados.

E por aí fora.

No começo da década de 50 do século passado, há mais meio século, portanto, os Livros do Brasil encomendaram a Aquilino, para sua colecção de vidas célebres, a biografia de alguns “príncipes, reinantes, ou apenas caudilhos, que deixaram na história mais que uma passagem meteórica…”
“Aquilino Ribeiro olhou para esses grandes de Portugal e pintou-os, como Velásquez fazia, com as tintas do arco-íris. Tais como eram. Melhor, tais como lhe pareceram”.
Assim nasceu “Príncipes de Portugal, suas Grandezas e Misérias” que, pela sua extensão relativamente ao espaço que lhes estava pensado na colecção, saíram à parte dela.

Não era obra para crianças e o governo de então entendeu que também não era para adultos e condenou-a ao índex das obras proibidas. Talvez por excesso de rigor histórico.

Em matéria de histórias da História o mais difícil mesmo é o rigor histórico. Se existe.
Contar com ele em contos para crianças, só em doses homeopáticas.

Saturday, March 04, 2006

A 4 À HORA

Há dias a rádio anunciava a abertura de mais uma editora, a Guerra & Paz. Estreava-se com um livro de histórias da história de Portugal de Agustina Bessa Luis, que, deste modo, pretere transitoriamente a sua editora de sempre, a Guimarães Editores.
Ontem, os jornais noticiavam que, não apenas uma, mas quatro editoras se tinham estreado no negócio nos últimos quinze dias. Na Guerra & Paz dizem "assumir uma filosofia de inventar os próprios livros", deprendendo-se facilmente que os autores da G&P passam a trabalhar por encomenda com ante-projecto definido pela editora.

Na semana anterior, outro editor, do Norte, concluía, também numa estação de rádio, que em Portugal se observa uma situação bizarra porque o número de leitores é muito baixo mas o número de edições muito elevado, quando comparados com os observados nos nossos parceiros da Europa. Segundo este editor do Norte, em Portugal publicaram-se no ano passado cerca de 4 livros, em média, por dia.

É também sobejamente sabido que temos, desde há muitos anos, o maior número de títulos de jornais nacionais diários por habitante mas o menor número de leitores por jornal. Os jornais, aliás, tornaram-se editores de livros e discos, empolando a oferta.

Quanto a jornais locais a situação pende no mesmo sentido: Há mais jornais locais em Portugal do que em Espanha onde a população é quatro vezes superior e o grau de literacia mais elevado.

Quem entra numa papelaria ou num quiosque em qualquer cidade do País enfrenta uma avalanche de jornais, livros e revistas atafulhando mais o espaço que nas lojas do mesmo ramo dos aeroportos internacionais. Lisboa tem quiosques de jornais, livros e revistas em quase em todas as esquinas.

Esta confiança cega na premissa, ou promessa, de que a oferta cria a procura, e que não é apanágio apenas de editores e livreiros, coloca uma questão recorrente: por quanto tempo mais?