Thursday, November 10, 2005

A CULPA É DO BARRO OU DOS OLEIROS?



Enviou-me um amigo cópia de um artigo de Eduardo Prado Coelho publicado, suponho, na sua coluna diária de “O Público”, titulado “Precisa-se de matéria-prima para construir um País”.

Não li o artigo mas quem mo enviou certamente gostou. Com toda a consideração que me merece o meu amigo, tenho que dizer-lhe que o artigo de EPC me parece uma daquelas conversas de xaxa com que se rematam os almoços de amigos se o tema não se virou para o futebol.

De EPC exige-se mais.

Pertenço a um país onde as empresas privadas são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel. Lápis, …”
“ Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser compradas, sem se fazer qualquer exame …”
Na origem das lesões de civismo relatadas por EPC está, segundo EPC, a (má) qualidade da matéria-prima que ocupa o País.

E não está! Está nos oleiros!

“País, mas que país, onde qualquer pateta diz, não é para mim este país. O´Neill”
Parte do barro criado nesta País tem sido exportado ao longo dos séculos e, ao longo dos séculos tem, geralmente, dado boa obra lá fora. Em França, na Alemanha, no Luxemburgo, nas Américas, na África do Sul, as comunidades portugueses são, na generalidade dos casos tidas como das mais competentes, empreendedoras e cívicas.

Porquê? Porque lá fora há bons oleiros!
Em Portugal há alguns bons, mas são poucos.

Se o roubo de lápis numa empresa privada aflige EPC, não o aflige a notícia de ontem, 9/11, segundo a qual “O processo de extinção da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos, em 2002, deixou uma dívida de 368 mil euros e resultou em perda de bens patrimoniais públicos na ordem dos 100 mil euros”?

(E porquê empresa privada e não pública? Porquê da empresa e não do Estado? Porque não da Universidade? Porque não até dos Tribunais? Porque não até da Procuradoria Geral da República?)

Quase todos os dias temos notícias de casos em que o erário público é defraudado ou as Instituições são desonradas, não pelo barro mas pelos oleiros.

Quem são, então os oleiros? Pois, muito prosaicamente, os que trabalham o barro. Aqueles a quem por eleição, nomeação ou herança coube o privilégio, mas também a responsabilidade, de conduzir acções e opiniões, com probidade.

Se o Chico-Esperto paga a um médico um atestado falso, a culpa é do Esperto ou do Falsário? Convenhamos que nenhum deles será boa rês mas pedir não é crime ainda que possa ser, eventualmente, recriminável. Mas um falsário é um criminoso.

Perguntar-me-ão: mas então, o povão não tem culpas no cartório? A qualidade da matéria-prima, para voltar à terminologia de EPC, não é importante? Será, mas a capacidade do oleiro é determinante.

EPC é oleiro? Claro que é. Mas subliminarmente tira a água do capote. Os culpados somos nós, como Povo, diz ele. O Tanas! Digo eu. Os culpados são os oleiros, ou se preferirem, a maior parte deles. Somos todos culpados, dizem os que são realmente culpados.

E é patética a parte final do artigo de EPC. “Eu pecador me confesso…”,
A desgastada fórmula dos desculpados.

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A questão da formação académica, que alguns julgam, erradamente, ser essencial à formação cívica e também suporte essencial do crescimento económico, tem sido um razoável bode expiatório para a inabilidade dos nossos oleiros

Aliás, o problema está mais que diagnosticado e aplica-se igualmente a barros de outras origens. A título de exemplo, transcrevo um dos muitos textos que já se escreveram sobre o assunto, geralmente coincidentes nas conclusões.

“Many people believe that educational attainment of a nation’s current labor force is responsible for the success or failure of its economy. The importance of the education of the workforce has been taken way too far. In other words, education is not the way of the poverty trap. A high education level is no guarantee of high productivity. The truth of the matter is that regardless of institutional education level, workers around the world can be adequately trained on the job for high productivity… … …If illiterate Mexican immigrants can reach world-class productivity building apartments in Huston, there is no reason why illiterate Brazilian agricultural workers cannot achieve the same in São Paulo” – in The Power of Productivity – William W. Lewis – McKinsey Global Institute Reports
http://www.mckinsey.com


Precisa-se de matéria prima para construir um País
> >
> > Eduardo Prado Coelho - in Público
> >
> > A crença geral anterior era de que Santana Lopes
> não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que
> Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá
> para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no
> trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O
> problema está em nós. Nós como povo.
> Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a
> ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um
> país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada
> do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
> Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão
> ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos
> passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL,
> DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
> >
> > Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são
> fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que
> levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis,
> canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola
> dos filhos ... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas
> se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso
> da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar
> menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um
> hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital
> humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram
> lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.
> Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde
> não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é
> "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política,
> histórica nem económica. Onde os nossos políticos trabalham dois dias
> por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os
> pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
> >
> >
> > Pertenço a um país onde as cartas de condução e as
> declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer
> exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com
> uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro,
> enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o
> lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não
> para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos
> sempre a criticar os nossos governantes.
> Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor
> me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de
> trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Cavaco é
> culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela
> manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar
> algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.
> >
> >
> > Como "matéria prima" de um país, temos muitas
> coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o
> nosso país precisa. Esses defeitos, essa "CHICO-ESPERTERTICE
> PORTUGUESA"
> congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e
> evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta
> de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou
> Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são
> portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra
> parte... Fico triste.
> Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o
> suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima
> defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer
> nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor,
> mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
> primeiro os v> ícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu
> Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, e nem serve Sócrates,
> nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um
> ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do
> terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não
> comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do
> centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente
> condenados, igualmente estancados....igualmente abusados! É muito bom
> ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um
> empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação,
> então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos,
> a ver se nos mandam um messias.
> >
> >
> > Nós temos que mudar. Um novo governante com os
> mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós
> que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o
> que anda a
> acontecer-nos: desculpamos a mediocridade de programas de televisão
> nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da
> desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente
> decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe
> exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça
> de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU
> SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO
> PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
> >
> > E você, o que pensa?.... MEDITE!
> >
> > EDUARDO PRADO COELHO
> >
> >
>

3 comments:

JAP said...

Desenvolve uma interessante análise em torno do conceito do barro e dos oleiros. Pena é que esteja suportado por uma falsa ideia. O texto nunca foi publicado no Público, muito menos escrito por EPC. O que é uma pena. Porque andou a construir um edifício teórico em torno de um boato. Ou seja perdeu tempo. E pior: ajudou a propalar um boato, uma falsidade, sem se preocupar com a verificação da sua autenticidade. Deixou-se enganar por uma das mil e uma pequenas fraudes que circulam pela internet ou diariamente entopem as caixas de correio electrónico. Verifique toda a história aqui: http://ablasfemia.blogspot.com.

Ana M. said...

O que é mais importante, afinal?
A matéria tratada, ou o autor? Para quem não tem grandes pretensões intelectuais(o meu caso),o texto vale, por si só. Não ter a paternidade de Prado Coelho, mais me faz apreciá-lo.
O barro? Os Oleiros?
Nem apenas um, Nem apenas, outros. Há várias qualidades de barro e não serve qualquer, para determinados fins. E há, também muito oleiro que em vez de trabalhar a matéria prima, de forma competente, não o faz, as mais das vezes porque não sabe lidar com o barro, mas recebe para o fazer. Existem, também, aquelas variedades de barro que foram moldadas por bons oleiros,e,até apresentam formatos agradáveis á vista; mas são tão frágeis que à menor pancadinha, quebram em mil pedaços. E nem todo o barro fica bem moldado, lá fora. Por vezes, ao ser enviado para o seu local de origem, começa a deteriorar ràpidamente e, em pouco tempo, fica imprestável. Porque será?
Cumprimentos

Ana M. said...

JAP indica A BLASFÉMIA, para "verificar toda a história"; mas, apesar de procurar, não dei com nada relacionado com a matéria em causa. Poderia,sff, citar o título do respectivo post?
Obrigada