De Miguel Monjardino lia-se no Expresso de 7 deste mês uma das suas habituais crónicas sobre política internacional naquele semanário, que transcrevo.
No aniversário de Putin - Miguel Monjardino - c/p EXPRESSO
"Há 40 anos, quando frequentava a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, as armas nucleares eram recorrentes nas conversas políticas. Entre as aulas de Direito das Obrigações e de Finanças Públicas, o fantasma da guerra nuclear fazia parte das nossas preocupações. As divergências eram enormes. Nos jornais, o tema era frequente. Na primavera de 1983, o discurso de Ronald Reagan com a proposta da Iniciativa de Defesa Estratégia deu origem a uma polémica nos países da NATO.
É importante recordar isto agora. Em Moscovo, está em curso a inevitável mudança do triunfalismo imperial para a dúvida e a rejeição. É difícil encontrar na história militar caso equivalente ao da Rússia na Ucrânia. Uma grande potência militar, com arte operacional da guerra temida pelas forças armadas europeias e equipamento avançado, não consegue vencer a resistência de um inimigo que, supostamente, devia ter entrado em colapso em alguns dias.
Vladimir Putin faz hoje 70 anos. É um decisor político obcecado pela sua marca histórica. Tal explica, em parte, a invasão da Ucrânia. Como demonstrou o extraordinário discurso da semana passada, o líder russo tem outro objetivo estratégico: desmantelar a ordem internacional que, segundo o Kremlin, garante a hegemonia dos Estados Unidos. Putin acredita convictamente em duas coisas contraditórias. Por um lado, os pérfidos “anglo-saxões” dominam europeus e japoneses para tentar controlar e explorar o mundo. Por outro, o satanismo, o racismo, o liberalismo político e a decadência moral no mundo anglo-saxão condenam-no à decadência. Tal levou-o a concluir que a Rússia está envolvida numa guerra civilizacional que tem de ganhar, a todo o custo, para que os seus valores autocráticos prevaleçam. Fascistas, comunistas e departamentos universitários europeus e americanos partilham esta avaliação.
Como reagirão Putin e o seu regime às crescentes dificuldades da guerra na Ucrânia? Convém termos presente que a tentativa dos Estados Unidos e dos países europeus de o dissuadirem de invadir falhou no dia 24 de fevereiro. Putin tem três opções que podem ser combinadas entre si.
A primeira é continuar a guerra e esperar que a mobilização resolva os problemas da falta de infantaria e de equipamento nos teatros de operações. Na primavera, os problemas políticos e económicos na Europa e nos Estados Unidos deverão levar os seus governos e opiniões públicas a compreender que é do seu interesse negociar com Moscovo e garantir a continuidade do poder de Putin. A segunda opção é uma declaração unilateral de cessar-fogo ao longo da atual linha da frente. Tal poderia criar divisões importantes entre Kyiv e seus apoiantes e dar tempo ao Kremlin para recuperar forças e equipamento. Por fim, resta-lhe a coerção em termos de retórica, sinalização e, no limite, utilização de armas nucleares táticas na Ucrânia ou na vizinhança para quebrar o consenso euro-atlântico e forçar uma negociação favorável aos seus objetivos.
Nos 70 anos de Putin, devemos levar a sério a sua retórica sobre as armas nucleares e ponderar as nossas decisões e dilemas."
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