Thursday, May 02, 2024

O DESTRAVADO

Ontem, num programa da Sic, Ricardo Costa considerou que Marcelo, mesmo após as incontinências libertadas durante um jantar, será cognominado na História pelo "Presidente Popular".
É um ponto de vista, respeitável. Contudo, prevejo, também tenho direito a prever pelo menos nesta toca de grilo sobre aquecida com tanta polémica inconsequente, que Marcelo passará para a pequena história como o "Destravado".

Marcelo Rebelo de Sousa, maquiavelista, talvez embalado pelos copos e pelos pratos, abriu num jantar que deu conversa para quatro horas e divagar sem filtros:
Considerou Montenegro um rural de difícil entendimento, intempestivo, desprogramado, inoportuno. 
Para compensar, atribuiu a António Costa raciocínio lento, próprio dos orientais.
Assumiu a responsabilidade dos portugueses pagarem reparações pela escravatura cometida sobre povos negros.
Renegou Marcelo, o seu filho Nuno pelas consequências do abusivo uso do nome do pai, presidente, no  envolvimento, que nunca existiu, segundo Marcelo, num processo de tratamento de gémeas brasileiras, em Santa Maria.
A rematar, atribuiu à Procuradora Geral da República, a coincidência maquiavélica de, para compensar, ter reaberto processo das gémeas em sequência da publicação pelo Ministério Público da informação de abertura de processo que envolvia o primeiro ministro.

As questões de natureza doméstica já foram grelhadas tempo mais que suficiente para já cheirarem a esturro. Mas para os meios de comunicação social, quanto mais esturrado melhor.
O que me levou agora a perder tempo com o destravado Marcelo, foi a questão das reparações pela imunda actividade dos portugueses no comércio negreiro.
Sobre este ponto não tenho nada a acrescentar a um artigo publicado hoje no Expresso, 
se é impreciso ou distorcido da verdade (e o que é verdade?), não serei eu competente para o corrigir.

Há, contudo, nesta questão das responsabilidades portuguesas nas atrocidades cometidas aos nativos das terras para onde se aventuravam pela costa africana até chegarem ao oriente, tenho de observar:
1º - Esta contrição serôdia num tempo em que os ocidentais esmagam, a olhos vistos, os valores que cimentaram, mas não consolidaram, as democracias liberais (há outras?) alimenta as ideologias (serão ideologias?) anti liberais, autocráticas, ditatoriais, que se expandem (como há cem anos) como fogo posto em palheiro. 
2º. - Sugiro que procurem na net "BRASIL, País do Futuro - Stefan Zweig", o testemunho de um grande escritor, de origem judaica, nascido em Viena, que, desgostoso com o que se passava no seu país, abandonou a Áustria, rumou para o Brasil, onde, angustiado com o que se passava na Europa, dominada pelos nazis, se suicidou em 1942.
 
"Da maneira mais simples o Brasil  tornou absurdo - e a importância desse experimento parece-me modelar - o problema racial que perturba o mundo europeu, ignorando simplesmente o presumido valor de tal problema"
 
Houve africanos capturados por esclavagistas portugueses? Sem dúvida.
Portugal tinha envolvido na sua aventura das descobertas a quase totalidade, muito poucos porque o país era pequeno e pobre, dos seus homens válidos. Onde mobilizar homens para animar uma economia em princípios de desenvolvimento senão do outro lado do Atlântico? 
 
Em 1822 o Brasil torna-se independente por vontade do herdeiro do rei português, Pedro I.
A partir dessa data gloriosa, para ambos os países, o povo brasileiro era senhor dos seus destinos.
A escravatura já tinha sido condenada mas o caudal negreiro entre África e o Brasil não cessou porque os senhores do engenho (de açúcar) clamavam não poder prescindir do seu negócio e a industrialização, também por essa razão, chegou tardiamente ao Brasil. Os brasileiros, uma designação vaga, continuaram a negociar com os, supostamente portugueses, outra designação vaga,  traficantes de escravos, durante muito tempo depois da independência e da abolição da escravatura.
Os portugueses devem saber isto; os brasileiros também. Para sossego consciente de algumas más consciências de um lado e do outro. 

Leiam o testemunho de Stefan Zweig, e a nossa história comum ficará mais clara do que parece estar hoje.

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