Wednesday, June 23, 2010

NÓS E OS OUTROS

A crise continua a ameaçar as economias ocidentais e, naturalmente, as medidas de austeridade adoptadas, ou em vias disso, suscitam polémica entre políticos e economistas, defendendo uns que a recuperação económica passa pela redução dos défices fiscais e das dívidas públicas, avisando outros que, nas actuais circunstâncias, a contracção da despesa pública terá inevitavelmente como consequência o agravamento da crise, a deflação, uma peste pior que a inflação.

O artigo de Martin Wolf que transcrevi na íntegra (este meu hábito de transcrição total resulta do facto de não ter subscrição do FT e o acesso ser indirecto) aqui, aborda, uma vez mais, o assunto reforçando a convicção do autor que é cedo para retirar estímulos e que a boa política estará na continuação da emissão de liquidez pelos bancos centrais, contrariando a persistência alemã na redução dos défices públicos (incluindo o da Alemanha) mas também, por exemplo, a do novo governo do Reino Unido (vd aqui ).

Martin Wolf está bem longe de estar isolado nesta sua cruzada. Soros, por exemplo, critica duramente a política de Angela Merkel (vd aqui ). Paul Krugman (vd aqui, por exemplo), Stiglitz, entre outros propõem a continuação de uma intervenção expansionista dos Estados, avisando que a redução precipitada dos défices fiscais poderá ter consequências dramáticas globais nas economias. 

O que é que tudo isto poderá ter a ver connosco? Tem muito, porque envolvidos numa economia aberta, nela se reflictirão as consequências das políticas adoptadas pelos nossos principais parceiros comerciais. 

Por outro lado, o nosso grau de liberdade de escolha encontra-se fortemente condicionado pelas medidas adoptadas pela UE, em particular pela Zona Euro, mas também pelas restrições que impendem sobre a nossa capacidade de razoavelmente aumentarmos os níveis de endividamento público e privado. Porque essa capacidade não somos só nós que a avaliamos mas, sobretudo, os credores externos.

Dito de outro modo: Mesmo que Wolf, Krugman, Soros, Stiglitz, etc. tenham razão, mesmo que o BCE decidisse garantir-nos a liquidez necessária à continuação do crescimento do endividamento do País, faria sentido continuar uma política de auemento da despesa e dos investimentos públicos? Aumentar o investimento faz sempre sentido desde que o retorno esteja muito provavelmente assegurado. Quem pode assegurar?

Mais tarde ou mais cedo as taxas de juro da dívida pública irão subir para além dos níveis preocupantes que já atingiram. Uma política de redução do défice certamente que terá um efeito contraccionista sobre  a economia a curto prazo. A continuaçao de uma política de crescimento da dívida seria uma tragédia a média prazo.

Se a Alemanha expandisse, ganharíamos com isso, certamente. Mas quem é que convence os alemães a gastarem mais do que desejam? 

3 comments:

Luciano Machado said...

Olá Rui

Lá vens tu com as preocupações do "politicamente correcto" desenhado nos fórums das empresas de rating, dos megafundos e dos pseudo analistas que lhes dão voz.
A questão do investimento público e da despesa em contra-ciclo parece-me, no quadro actual, indispensável sem que isso ponha em causa uma política de rigor em matéria orçamental.
Que mal haveria em que um fundo europeu de estabilização financiasse temporariamente os défices portugueses ou outros por forma a reanimar a economia e possibilitar o crescimento? Mesmo o facto de ser-mos uma economia aberta não vejo que seja impeditório desta via.
Não é assim que fazem os EUA em relação a um ou outro estado membro que entra em dificuldades?
O que se passa é que Portugal e em geral a Europa, está a pôr-se de cócoras perante esses novos tribunais divinos que são as empresas de rating.
A continuação desta política vai ser um desastre a todos os níveis, o desemprego atingirá níveis incomportáveis , o euro acabará por implodir, com ele a UE e o exacerbar dos nacionalismos que daí decorrerá conduzir-nos-à para um beco sem saída no qual uma prespectiva de guerra não será improvável.
Não achas?
Um abraço
L
PS Já tinha escrito outro texto que acho que perdi mas se aparecerem os dois não faz mal

rui fonseca said...

Meu Caro Luciano,

Obrigado pelo teu comentário.
Que merece uma resposta mais estruturada do que esta que aqui te deixo para já. Talvez a escreva amanhã.

Dizes tu que "
O que se passa é que Portugal e em geral a Europa, está a pôr-se de cócoras perante esses novos tribunais divinos que são as empresas de rating."

Ora meu Caro Luciano, admitamos que o que afirmas é incontestável.
O que fazer?

Gastar mais em despesa e investimento?

Para isso é preciso crédito. Se não se consegue o que pode fzer-se? Emitir moeda?

Muito bem, posso dizer eu. Muito mal, dizem os alemães que não querem ver resolvido o imbróglio da dívida com um processo inflacionista indomável.

Há outra forma de o resolver? Há. Com crescimento económico. Mas para isso seria preciso que o crescimento económico superasse os custos adicionais da dívida.

Com que despesa, com que investimentos alcançaríamos iso em Portugal.

Sim, porque meu caro Luciano, há o problema dos outros e há os nossos problemas.

Mesmo que a Alemanha decidisse enveradar pela inflação dos salários e reactivasse a procura que reflexos é que essa reanimação teria na economia portuguesa? Alguns teria, mas débeis. Que temos nós para oferecer? Que capacidade de produção temos subutilizada?

Se não houver constrangimentos ao crescimento da dívida que investimentso públicos poderiam dinamizar sustentadamente a economia? O TGV? Dois TGV? Três?
Mais duas Autoestradas? Dez?

Não creio, caro Luciano, que possamos escapar à contenção da dívida reduzindo muita despesa
pública inútil.

rui fonseca said...

Caro Luciano,

Ainda em sequência do que atrás apressadamente referi recordo que nenhum economista português, salvo os do PCP ou do BE porque ficaram sem rumo próprio e, portanto, refugiam-se numa ideologia do contra, dizia eu que nenhum economista advoga um aumento da dívida, desde os insuspeitos, a este respeito Vitor Constâncio,
Daniel Beça, Silva Lopes, até aos mais liberais.

Eu não tenho preocupações de politicamente correcto. Nunca tive. Bem pelo contrário.

Evidentemente que o politicamente correcto seria precisamente aumentar a dívida.

Se pudéssemos. Porque aí é que está o busilis da questão, que anotei neste caderno já muitas vezes e desde praticamente do início em que o comecei. O problema é que a partir de um certo momento o crédito acaba-se.