Friday, November 30, 2012

GROSSEIRAMENTE INCONSTITUCIONAL

afirma Bagão Félix no Público,

Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no “Guinness Fiscal” por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].
Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada “contribuição extraordinária de solidariedade” (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo – como é o caso – que não esteja previsto no memorando da troika.
Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados “certificados de reforma” que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor… Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se – não há outra maneira de o dizer – de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.
Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.
Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável…). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes… os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.
Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do “plafonamento”, depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.
Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer “refundar” o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para “legitimar” a evasão contributiva no financiamento das pensões. “Afinal, contribuir para quê?”, dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas “custe o que custar” e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.
PS1: Com a antecipação em “cima da hora” da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.
PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para 2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde… dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde… capilar nos cabeleireiros. É comovente

CAPITALIZAÇÃO COMUNISTA

Ouço esta manhã, na Antena 1:
 
"O partido tem que crescer, e vai crescer. Precisamos de aumentar um pouco o descontentamento popular, só um pouco, e a votação no nosso partido sairá reforçada nas próximas eleições. Não queremos chegar ao socialismo, queremos apenas uma democracia avançada" 
 
Era a resposta de um militante do PCP a uma pergunta de uma jornalista que interrogava (não percebi onde) militantes ou simpatizantes comunistas, a propósito do Congresso do seu partido que decorre entre hoje e domingo em Almada.  
 
A resposta daquele militante comunista apenas surpreende pela franqueza, uma franqueza ingénua, embora inconsequente por se tratar, certamente, de um militante de base. Nenhum militante mais avisado alguma vez cairia na esparrela de explicitar publicamente aquilo que é uma regra básica de sempre da estratégia política do PCP: a capitalização do descontentamento. Em Portugal e em qualquer parte do mundo, onde as situações sociais são favoráveis à germinação do descontentamento, da revolta, da revolução até, os comunistas ganham aderentes, e tomam o poder se a maré do descontentamento ganhar vagas demolidoras. Aconteceu no passado, nada garante que não venha a ocorrer no futuro: em situações de crises extremas incontroláveis, a democracia sossobra e os extremistas, ditos de esquerda ou de direita, cavalgam as ondas de protesto. Sem terem a mínima ideia do destino para onde arrastam as multidões que para eles se voltam.
 
Em entrevista concedida ao Expresso/Economia do passado fim-de-semana, o secretário-geral do PCP afirmava: " ... hoje não há um modelo de socialismo. Isso depende da relação de forças, da cultura, do grau de participação e intervenção da luta de massas, mas não temos um modelo. Do ponto de vista do PCP, o socialismo que pretendemos construir para a nossa pátria e para o nosso país não pode ser comparado com nenhum outro..."     Pudera!
 
A utopia é uma delícia enquanto não chega a realidade. Enquanto esta não chega, o descontentamento arrima-se aos amanhãs que cantam.
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Correl.- O PCP é um partido mais forte graças à crise?

Thursday, November 29, 2012

CARTA ABERTA

Carta aberta de 70 personalidades pede a Passos Coelho que se demita,  é o título da notícia no Público, que publica a carta em questão e os nomes dos signatários. Soares e 77 personalidades exigem demissão de Passos, o título no Diário de Notícias.
 
Setenta ou setenta e sete, a diferença é irrelevante. O que realmente conta é o objectivo da carta: "interpretar o clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ... "       
 
Portugal é um país com uma longa tradição de abaixo assinar. Nada de original, portanto, nesta carta das setenta ou setenta e sete personalidades que publicamente se fizeram intérpretes da exigência pública para que o primeiro-ministro se demita se não se decidir a alterar as opções políticas que vem seguindo.
 
São inconsistentes os considerandos e enviesadas as conclusões? Não são. Ninguém, nem sequer o primeiro-ministro, tem dúvidas que a opinião pública reprova, maioritariamente, hoje, e reprovará muito mais amanhã, as medidas de austeridade que lhe levam o couro e o cabelo. E que eleições legislativas antecipadas determinariam, muito provavelmente, a queda do governo. Nesse caso, que sequência governativa recomendariam os signatários da carta aberta?  Um governo minoritário do PS, ou, muito surpreeendentemente, uma coligação de esquerda incluindo o PCP e o BE, ou apenas um deles com o PS? 
 
Por onde andavam os setenta e tantos quando a dívida subia a níveis que nos colocaram o País à beira do abismo há cerca de dois anos atrás, ainda não governava Portugal o senhor Passos Coelho? Por que não os convocou nessa altura a urgência de reclamar a mudança de política que há muito tempo se impunha e que só a força das circunstâncias tão tardiamente acabou por derrubar o governo de então?
 

Wednesday, November 28, 2012

O VELHO MAPA DE PORTUGAL

Foi o tema do "Prós e Contras" de anteontem. Objectivo: Discussão à volta da reforma administrativa do País. Entre os participantes no painel, o secretário de estado da Administração Local e Reforma Administrativa. Vimos apenas uma pequena parte do programa, mas o suficiente para perceber que o membro do governo destacado para uma missão impossível tinha caído noutra armadilha: a de comparecer perante uma audiência que, por razões mais que previsíveis, seria sempre muito maioritariamente hostil quaisquer que fossem os argumentos do secretário de estado. Mesmo com o tema do problema resumido apenas à redução do número de freguesias. 
 
Mais do que um dos compromissos assumidos no memorando de entendimento com a troica, a reforma do estado e, nomeadamente, a reformulação da divisão administrativa do país impõe-se há muitas décadas como condição da racionalização do aproveitamento dos meios e da satisfação mais conveniente dos interesses colectivos. Sobre a bondade dos objectivos em abstracto poucos terão dúvidas, a começar pelos autarcas. Aliás, de um modo geral todos começam os seus dircursos, a popósito do tema, por aí. Mas a partir da convergência nos propósitos gerais, a discordância acerca dos novos traçados em concreto é quase geral.
 
Comprometeu-se o Governo e o trio com a troica que, no âmbito da Adminitração Pública "o Governo tomará as seguintes medidas para aumentar a eficiência e eficácia da Administração Pública - vd aqui -
... ... ...
 
3.44. Reorganizar a estrutura da administração local. Existem actualmente 308 municípios e 4.259 freguesias. Até Julho 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e reduzir significativamente o número destas entidades. O Governo implementará estes planos baseado num acordo com a CE e o FMI. Estas alterações, que deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local, reforçarão a prestação do serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão custos."
... ... ...
 
Ninguém, minimamente informado, ignora, nem ignorava quando foi assinado o memorando de entendimento,  que qualquer alteração da divisão administrativa do país é um dos pontos politicamente mais sensíveis e mais propenso a discursos demagógicos. Se houvesse boa fé na assinatura do memorando e a noção consciente da dimensão dos compromissos assumidos, nunca o actual primeiro-ministro poderia ter dispensado de envolver o primeiro elemento do trio, aquele que suportou o anterior governo, de participar activamente na consecução dos compromissos assumidos. E se isto era essencial para o cumprimento da generalidade do memorando, era condição sine qua non para atingir um objectivo válido em matéria de alteração da divisão administrativa e das competências do poder local.
 
Não tendo ido por esse caminho, é mais que previsível que, no próximo ciclo eleitoral, continuarão a existir em Portugal 308 municípios e 4259 freguesias.
Provavelmente, é esse o objectivo do quinteto parlamentar.
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E continuo a interrogar-me a que horas começam a trabalhar os portugueses que assistem a programas da televisão do Estado - serviço público, suponho - como o "Prós e Contras" até quase de madrugada.

Tuesday, November 27, 2012

SE PORTUGAL PRECISAR

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A comunicação do ministro das Finanças de 19 deste mês - vd aqui  - foi acompanhado de alguns quadros - vd aqui - de previsão de evolução dos principais indicadores macroeconómicos, mas, nem o discurso do ministro nem os dados dos quadros evidenciam a coerência que suporta uns e outros. Nomeadamente, a trajectória da dívida pública apresentada só pode ser percebida se, para além dos dados e do discurso, se pressupuserem outros factores de redução da dívida: privatizações, reembolso dos empréstimos para recapitalização dos bancos, etc., relativamente  aos quais todas as conjecturas, nas circunstâncias actuais, são altamente falíveis. Os resultados das privatizações anunciadas - Ana, TAP, Águas - ou rumoradas - CGD -, só  cobrirão parte do crescimento dos juros durante o período que decorrerá até à eventual concretização e encaixe da eventual alienação daqueles activos. Mas ainda que a trajectória apresentada pelo ministro das Finanças venha a ser conseguida, a dívida continuará a situar-se a níveis muito acima da linha crítica de consolidação das contas públicas.
 
Ouço o discurso do líder do PS no debate final sobre o OE 2013 enquanto escrevo estas linhas, e ouço o previsível: O PS vai votar contra, o seu líder coloca-se e ao seu partido, e ao governo anterior, inteiramente fora das consequências, que serão incontornavelmente dramáticas, da execução de um orçamento que deveria ser o resultado de um consenso do trio que subscreveu o memorando de entendimento com a troica. Com a aprovação deste OE apenas com os votos do PSD e do CDS, o primeiro-ministro aumentou a chama da frigideira em que pouco avisadamente se colocou.  
 
Mas a notícia do dia é o desbloqueio, ontem à noite, pelo Eurogrupo e FMI de mais uma tranche do empréstimo concedido à Grécia, e, por tabela das concessões feitas aos gregos, - vd aqui -, "se Portugal precisar vai poder beneficiar de um prolongamento de 15 anos de todos os prazos para o pagamento dos empréstimos concedidos pela zona euro no quadro do seu programa de ajuda, o que lhe garantirá um período médio de reembolso de 30 anos e um prazo máximo de 45. Ao mesmo tempo, o país beneficiará de um novo período de carência de 10 anos até ao início dos primeiros reembolsos, e terá uma redução de 10 pontos de base (0,1%) dos custos operacionais dos empréstimos europeus".
 
Pelo que se pode deduzir de alguma imprensa internacional - vd aqui, aqui -, por exemplo, a possibilidade da extensão de algumas concessões aos outros países intervencionados agora prometidas à Grécia não foi decidida ontem à noite mas poderá vir a observar-se mais tarde, por invocação de precedentes.
 
Se Portugal precisar ... lê-se  aqui. Portugal precisa disso e de muito mais. E quanto mais tarde vier mais cedo se partirá a coligação que hoje, isolada, vai aprovar o OE 2013.

Monday, November 26, 2012

DÁ DEUS DENTES A QUEM NÃO TEM NOZES

Isabel Jonet escandalizou mais de meio Portugal quando há dias disse algumas verdades. De entre elas, a mais badalada foi o consumo excessivo de bife. A essa questão já me referi aqui. E, até prova em contrário, a verdade é que as estatísticas colocam os portugueses como razoáveis consumidores de um produto para o qual não dispõem de condições favoráveis de produções locais. Mas há mais.
 
Quem olha para a origem dos produtos à venda nos supermercados pode constatar que, ainda hoje, quando a crise apoquenta quase toda a gente, os portugueses não dispensam o consumo de alguns produtos que noutros países com a balança comercial mais equilibrada têm a sua venda restringida  a espaços comerciais autorizados exclusivamente à sua comercialização. Por esta altura do ano, multiplica-se nos supermercados portugueses o stock de bebidas importadas de alto teor alcoólico, geralmente elevado tendo em conta o espaço dedicado a outras bebidas de custo incomparavelmente inferior.
 
Não por acaso, as estatísticas anualmente publicadas  pela Organização Mundial de Saúde, que de vez em quando aponto neste caderno, colocam Portugal - vd aqui - entre os maiores bebedores de alcool do mundo. Trata-se, obviamente, de uma questão que, mais do que as incidências na balança comercial, contam os efeitos negativos de um hábito que não é suficientemente denunciado nem combatido. Entre as consequências dramáticas do abuso do alcool está a elevada mortalidade juvenil observada em Portugal.  
 
No supermercado onde hoje fizemos compras, havia, apesar do anunciado apoio no local à produção nacional, entre muitos outros items, só na área de alimentação,   batatas de Espanha e França, cebolas de Espanha, chuchus da Costa Rica (por que é que se importam chuchus quando a sua produção é tão pouco exigente e viável em Portugal, é um dos mistérios comezinhos para o qual não encontro resposta), feijão verde de Marrocos, ... nozes dos Estados Unidos da América!
 
 
Tal como os bancos, os supermercados parecem desconhecer que a economia é uma activiade de trocas e que só pode trocar quem produz valor equivalente. Inevitavelmente, um dia, se não mudarem de atitude, estabelecendo parcerias win-win com os vizinhos, terão cada vez menos consumidores, incluindo os bebedores de spirits. 

Sunday, November 25, 2012

QUE VIVA ESPAÑA!

Gosto de Espanha.
Habituei-me desde muito novo a ver e ouvir a convivialidade de salmantinos, zamoranos, entre outros, que do planalto desciam no Verão até à beira-mar da minha juventude. Ainda hoje, apesar da translacção das rotas do turismo balnear nas praias a partir da década de 60, mantem-se uma presença relevante que, de geração em geração, se tem renovado ao longo de muitas décadas. Em viagens de turismo ou profissionais percorri Espanha de ponta a ponta e, dessas deslocações, guardo as mais gratas recordações. Com nenhum outro povo europeu existe maior identificação idiossincrática dos portugueses do que com os espanhóis, sejam eles galegos, andaluzes, bascos ou catalães. Esta proximidade sociológica, que não decorre apenas de factores geográficos, foi durante muitos anos contrariada por razões de estado circunstanciais que fomentaram atitudes de rejeição primária, mais propaladas pela ignorância do que por razões objectivas. A raia foi até ao desmantelamento das fronteiras na sequência da adesão de Portugal e Espanha na União Europeia uma linha de demarcação de empobrecimento de um lado e doutro da fronteira, porque era uma parede de estrangulamento das comunicações entre vizinhos.
 
Hoje, a esta hora (21,38 de Lisboa) leio no El País, e congratulo-me, que Artur Mas, o ambicioso presidente da Catalunha não conseguiu atingir o objectivo de conquistar a maior absoluta no parlamento catalão para, a partir daí, lançar um referendo sobre a independência da região a que preside. Com estes resultados, Mas poderá, apesar deste revés, vir a insistir numa trajectória que nem servirá melhor a Catalunha, nem a Espanha, nem a União Europeia, nem Portugal, mas ficou a saber, a partir de hoje, que o povo da Catalunha, na sua maioria tem uma percepção dos riscos que incorreria se aderisse ao golpe do seu presidente.
 
A desintegração de Espanha, se ocorresse nesta altura em que o edifício europeu  apresenta fissuras tamanhas e ainda não estão instaladas as estruturas que possam evitar o seu desmoronamento, poderia ter um efeito precursor replicador daquele que a guerra civil espanhola representou relativamente à emergência do fascismo e do nazismo na Europa, que incendiaram a Europa e o mundo.
 
Há setenta e cinco anos, os espanhóis matavam-se estupidamente uns aos outros. Seria trágico para eles e para os europeus em geral que as novas gerações não tivessem aprendido os custos incalculáveis de um conflito que pode espoletar se um qualquer pretenso iluminado arrastar atrás de si a irracionalidade emotiva da maioria do povo da Catalunha, ou do País Basco, ou da Galiza, por mau exemplo.
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*Correl. -Espanha não pode perder a Catalunha
- Umbrage in Catalonia
 

Saturday, November 24, 2012

O JOGO DA CABRA CEGA

O senhor que se segue será
o ministro das Finanças do anterior governo, depois Carlos Santos Ferreira do Millennium BCP.
De manhã depôs Almeida Santos:

"(Armando Vara) começou a trabalhar aos 14, sempre a subir, sempre a triunfar. Três vezes ministro, duas vezes deputado, membro do Secretariado do PS. De um modesto funcionário da CGD chegou a administrador. Acha que se não fosse sério teria este currículo? Desonestidade não conduz a estes lugares."  

Em abono de Paulo Penedos já depôs por escrito Mário Soares.
De José Penedos, Jorge Sampaio.

Com abonos destes, do processo perdido, como é apanágio do Ministério Público, contnuará  oculta a face do processo.

Friday, November 23, 2012

QUARENTA

Leio de relelance numa banca de jornais que o grupo liderado por Alexandre Soares dos Santos vai abrir  quarenta clínicas em centros comerciais. Já em casa, confirmo que  não li mal  por ter lido enquanto pagava a conta do combustível: Como projecto-piloto, em Julho foram abertas pelo grupo de Soares dos Santos quatro clínicas de saúde oral, nutricionismo e tratamento dos pés, abertas todos os dias da semana das dez da manhã às dez da noite. O objectivo é atingir quarenta unidades semelhantes. Investimento previsto: quatro milhões de euros.   
 
À procura da notícia na net encontrei outros quarenta objectivos para o mesmo grupo: quarenta lojas na Colômbia. Por momentos supus estar perante uma qualquer confusão mediática entre 40 lojas na Colômbia e 40 clínicas em centros comerciais. Mas não há qualquer equívoco: São mesmo quarenta de um lado e quarenta do outro. A Colômbia passará, deste modo, a ser o terceiro mercado de implantação, depois de Portugal e Polónia, do grupo Jerónimo Martins. 
 
A notícia vale um comentário, não tanto pela coincidência numérica dos objectivos, mas pela persistência dos empresários na aposta em serviços mesmo em tempos de uma gravíssma crise que germinou, precisamente, pela prevalência excessiva do sector terciário relativamente aos sectores primário e secundário. Se não produzimos para a troca não poderemos trocar e a crise aparece.
 
Há algum tempo, recordo-me de ter ouvido Soares dos Santos afirmar a intenção do grupo Jerónimo Martins investir em produção agrícola que possa abastecer os seus supermercados de produtos cuja oferta interna é manifestamente insuficiente. Já em Março de 2009, em entrevista ao Expresso que referi aqui, Soares dos Santos dava a produção nacional de morangos como exemplo dessa insuficiência. E a prova de que a sua afirmação era, e continua a ser, consistente está no facto de este ano a Câmara ter patrocinado - vd aqui a colocação de postos de venda no Rossio de morangos ... espanhóis!

Ultimamente, têm vindo a publico notícias que dão conta do interesse de muitos jovens pela agricultura. Muitos, certamente, por falta de alternativas, com todas as probabilidades de falhanço que acompanham a perseguição de objectivos de último recurso. A probabilidade de insucesso aumenta se o ministério da Agricultura não corresponder em tempo útil com medidas que possam disponibilizar terras para os interessados em trabalhar nelas. Mas, para além disso, é tempo das cadeias de distribuição patrocinarem e integrarem parcerias com esses jovens agricultores de modo a garantirem a sua própria sobrevivência em Portugal. A menos que a sua estratégia seja a de abandonar este barco e contar apenas com a frota lá fora.  

Thursday, November 22, 2012

RETROVISOR

Na sua edição de Maio de 2009, o Economist dedicava um caderno da edição impressa ao tema da reconstrução do sistema bancário (Rebuilding the banks). Dois anos depois da erupção da crise subprime, menos de um ano após a falência do Lehman Brothers, era presidente dos EUA em fim de mandato George W. Bush. Obama, que tomou posse em Janeiro de 2009 confrontou-se com uma destruição do sistema financeiro norte-americano a um nível que nem os EUA nem o mundo conheciam desde a Grande Depressão iniciada em 1929. A crise alastrou e apanhou grande parte do sistema financeiro ocidental fora-de-pé. Estando ainda bem longe de uma recuperação total, a economia norte-americana mostra hoje razoáveis níveis de recuperação, nomeadamente em crescimento e emprego, enquanto o futuro da União Europeia nunca esteve tão incerto.
 
Os dois primeiros períodos do artigo do Economist sintetizam as conclusões do documento quanto às origens e desenvolvimentos da crise que ainda ameaça o sistema financeiro mundial . Transcrevo:
 
" BANKING is the industry that failed. Banks are meant to allocate capital to businesses and consumers efficiently; instead, they ladled credit to anyone who wanted it. Banks are supposed to make money by skilfully managing the risk of transforming short-term debt into long-term loans; instead, they were undone by it. They are supposed to expedite the flow of credit through economies; instead, they ended up blocking it.
 
The costs of this failure are massive. Frantic efforts by governments to save their financial systems and buoy their economies will do long-term damage to public finances. The IMF reckons that average government debt for the richer G20 countries will exceed 100% of GDP in 2014, up from 70% in 2000 and just 40% in 1980."
 
Curiosamente, a missão do FMI a Portugal afirma no primeiro período do seu relatório publicado anteontem aqui:
 
 "Portugal’s crisis is due to a legacy of policy failures in the face of a rapidly changing environment. Economic institutions and policies proved ill-adapted to the demands and opportunities of monetary union and globalization. The rapid transition from decades of financial repression and monetary instability was proving difficult. Monetary union, instead of delivering on the promise of sustainable catch-up growth to EU living standards, facilitated the accumulation of economic and financial imbalances. The competitiveness of the tradable sector eroded. Abetted by a banking system prone to allocating too much credit to poor risks, leverage in the non-tradable sector increased markedly, notwithstanding weak productivity growth. The public sector in turn financed rapidly growing spending, particularly on social protection, through higher taxes and accumulating debts. And in the face of all this, the policy response was, at best, muted. Consequently, in the first half of 2011, Portugal’s government and banks were shut-out from financial markets."

Dois testemunhos, insuspeitos a este respeito, a mesma conclusão: a ganância incontrolada dos banqueiros forjou ou alimentou a crise que os políticos, coniventes por acção ou omissão em muitos casos, tentam agora apagar recorrendo, como sempre, aos impostos dos contribuintes. " Too big to fail is one of the biggest problems we face in this country", declarava Ben Bernake, presidente da Fed, à Time no começo de 2010.

Continua praticamente tudo na mesma. Em Portugal, depois das contas chorudas do BPN e  do BPP, é bem provável que nos venham a enviar para pagamento mais do mesmo sector.
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Correl. - Chegou-se a este ponto de endividamento porque os portugueses estiveram distraídos , afirmou há dias João Salgueiro. O mesmo João Salgueiro afirmava há já algum tempo atrás que da crise, somos todos culpados e, em Setembro de 2008, era ele então presidente da Associação Portuguesa de Bancos, que os portugueses eram culpados pelo excesso de endividamento.

Quem é que tinha conhecimento da evolução dos níveis de endividamento e continuou, gananciosamente, a importar e a vender mais crédito? O Zé Povinho ou o presidente da Associação Portuguesa de Bancos e os membros da corporação?
Ou Salgueiro já perdeu a memória ou está, no mínimo, a ser mentalmente desonesto.
 

Wednesday, November 21, 2012

SELASSIE


O senhor Abebe Selassie, chefe da missão do FMI em Portugal, em entrevista do DN afirma, entre outras coisas, que "medidas extraordinárias mascaram a consolidação orçamental". Não é necessariamente assim, (se receitas extraordinárias pagarem despesas extraordinárias de igual montante o saldo estrutural não é alterado) mas foi quase sempre assim no passado, com o consentimento do Eurostat. Aliás, encontra-se ainda pendente de uma decisão definitiva deste orgão da UE a aceitação da receita da venda da Ana na redução do défice deste ano, que, no entanto, quanto é do conhecimento público, não se prende com este critério mas com o objecto da privatização em causa.

Tivesse o Eurostat adoptado antes um critério diferente e, provavelmente, o endividamento público não teria ido tão longe porque teriam ocorrido algumas medidas de racionalização dos serviços prestados pela função pública. Miguel Cadilhe propôs, há alguns anos já, a redução do número de funcionários públicos com recurso à venda de parte das reservas de ouro para o pagamento de indemnizações. Nunca mais se falou do assunto e, repito-me, continuo sem perceber por que razão Portugal, com a dívida enorme que tem, e que não vai parar de crescer tão cedo, contrariamente ao que afirma o ministro das Finanças, continua a deter um dos mais elevados rácios do mundo de reservas em ouro  por mil habitantes. O critério adoptado, e que pelos vistos ainda se mantém, é permissivo da mascarada que Selassie refere.

Para além de algumas claras contradições que ontem apontei aqui nos discursos dos responsáveis do FMI, a começar pela senhora Christine Lagarde, o senhor Selassie, afirmou na entrevista ao DN que  "O dinheiro emprestado pela troika é muito barato". Este é um tópico que, pelo facto de raramente ser referido nas declarações dos membros da troica, e igualmente ignorado pelo governo quando a questão da redução da despesa pública é abordada, mereceria um contraponto que o entrevistador,  - vd aqui - não colocou. E, no entanto, os juros têm um peso relativo considerável, cerca de 8% - no total da despesa pública, e não retrocederão enquanto a dívida ultrapassar o PIB e o crescimento económico ficar aquém da taxa de custo da dívida, uma situação altamente  improvável em tempo útil  se não houver uma redução dos juros e uma extensão, a perder de vista, do termo  de parte ( 60%?) da dívida.

O senhor Abebe Selassie pode considerar barato o empréstimo da troica (não sabemos como considerará o financiamrnto a taxas negativas da dívida soberana da Alemanha) mas também sabe que Portugal não tem condições para pagar a dívida e os juros no contexto de crise em que se encontra e da qual, porque envolvido num círculo vicioso de dívida - juros - recessão - dívida - não sairá pelo seu próprio pé. Se o senhor Selassie não sabe isto não sabe nada de relevante da realidade portuguesa.
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Correl. - Portugal tem pouca margem para pedir condições mais vantajosas.
 Se tem pouca margem para obter redução de juros não tem margem nenhuma para pagar os que (não) está a pagar. Porque se paga os juros que paga, paga-os com aumento da dívida. E assim continuará a ser enquanto não produzir riqueza que permita pagar os juros e reduzi-la. Quando é que isso pode vir a ocorrer? Não no horizonte visível pelo senhor ministro das Finanças, segundo declarações suas.

Tuesday, November 20, 2012

ESTÃO A BRINCAR, SENHOR GASPAR?

Ontem, Portugal passou no 6º. exame e a troica vai libertar mais 2,5 mil milhões de euros, informou  o ministro das finanças em conferência de imprensa, que nem o canal 1 nem o 2 da televisão pública transmitiram, provavelmente porque não foi considerada serviço público ou menos serviço público que o Preço Certo. Das palavras do ministro, muitas delas inextricáveis para o cidadão comum, toda a gente reteve que, a meio do prazo do programa de ajustamento, o cumprimento da sua realização, segundo a avaliação da troica, é de 95%. E que este exame tinha sido realizado em tempo recorde, uma indicação que permite deduzir que a troica não teve dúvidas relevantes quanto aos resultados apresentados.    

Hoje, a missão do FMI que esteve em Portugal - vd aqui e aqui - afirma, além do mais,  que "Portugal terá de racionalizar  (eufemismo para reduzir) mais os salários e o emprego da função pública, e as pensões e as prestações sociais... Portugal não pode abrandar nas reformas estruturais da economia e terá de manter esse esforço para além do horizonte do programa da troica. Acrescentam os técnicos do FMI que há o risco de o crescimento recuperar de forma demasiado lenta para conseguir baixar o elevado desemprego. A consequência será a emigração de uma geração jovem e qualificada." 
 
Ora, das duas, uma: ou o memorando assinado pelo trio e pela troica foi mal estruturado e os objectivos mal calculados (e à troica não deveria consentir-se que se esquive às suas responsabilidades, a menos que tenha sido mal informada pelo governo anterior da real situação das contas públicas) ou o cumprimento não pode ter atingido os 95% agora atribuidos pela troica.
 
A directora-geral do FMI tem repetidamente afirmado nos últimos tempos (vd, por exemplo, aqui) que a austeridade pode comprometer o resgate dos países fragilizados da Europa. Mas se os países do sul da Europa sofrem há muito as consequências da desconfiança dos credores internacionais, o corte recente do triplo AAA pela  Moody´s à França - vd aqui - em consequência das expectativas de crescimento económico negativo é indiciador que a crise vai alastrar-se mesmo aos países em situação até agora considerada confortável.
 
Como é que pode o FMI prever os efeitos desastrosos de uma política e continuar a recomedá-la sem que ninguém, que o possa fazer, confronte os seus agentes com tanta contradição e se limite a acatar complacentemente as ordens de quem, claramente, já errou?

SEM COMENTÁRIOS

Seguro é o líder mais popular 
As sondagens à opinião pública, se realizadas por entidades idóneas são, inquestionavelmente, instrumentos de avaliação com um níveis de erro provável avaliados cientificamente e  que, normalmente, só aqueles para quem os resultados são desconfortáveis desvalorizam ou põem em causa.
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A sondagem realizada pela Eurosondagem para a Sic e Expresso entre 7 e 13 de Novembro, e publicada aqui na edição de sábado passado, foi objecto de muitos comentários mas não li nem ouvi nenhum sobre os resultados que, repetidamente, vêm colocando o Ministério Público e os juízes na antepenúltima e última posições. Aqueles a quem compete administrar a justiça em nome do povo são avaliados pelo povo como os mais impopulares de todos os orgãos de soberania.
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Que significado podemos atribuir a essa impopularidade e o tabu de silêncio que a Assembleia da República, o Presidente da República e o Governo, mantêm sobre ela? Por que razão os meios de comunicação social, os comentadores políticos, salvo um ou outro caso, os blogers, fazem tábua rasa de um indicador que deveria merecer a maior atenção de todos, porque nenhuma sociedade é democrática se não se sustentar num estado de direito, e nenhum estado de direito é digno desse nome se os seus agentes não o forem? O texto que acompanha a publicação dos resultados da eurosondagem é paradigmático desta abstenção generalizada de comentários: nem uma única linha dedicada a um resultado que, numa sociedade democrática, isto é, num estado de direito maduro, seria um escândalo nacional.
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Dir-se-á que não são os níveis de popularidade dos juízes e dos magistrados do Ministério Público que mobilizam a opinião pública mas os níveis de popularidade dos políticos, do Governo, do Presidente da República, dos deputados na Assembleia da República porque são estes e não aqueles quem mais influencia o rumo da nossa vida colectiva, porque a luta partidária excita o povo e a letargia judicial só lhe arranca reacções de resignação impotente.
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Porque, afinal de contas, vivemos numa sociedade democrática menor. E enquanto assim for não deixaremos de continuar a cair na escala do desenvolvimento humano.

Monday, November 19, 2012

O DILEMA INGLÊS

A União Europeia vai mal. A Zona Euro está ameaçada de desintegração, e se se desmorona, todo o edifício da União vai abaixo. A teoria da demolição controlada das partes mais fragilizadas, já ninguém a compra. As estruturas encontram-se demasiadamente interligadas para se retirar uma vigota sem derrubar uma coluna. A dúvida é se os líderes europeus, leia-se alemães e companhia do norte,  vão encontrar a tempo meios para evitar o desmoronamento, com as consequências, que podem ser dramáticas, porque podem degenerar num conflito bélico alargado. Se tal ocorrer, a Alemanha será, outra vez, a principal responsável, mas ingleses e franceses, mas sobretudo os primeiros, não escaparão a responsabilidades nem às consequências.  

Os povos precisam muitas vezes de causas exteriores para justificar os seus insucessos colectivos. A ameaça externa origina movimentos de união no seio de sociedades que, de outro modo, se desintegrariam em consequência de razões predominantemente internas. A União Europeia não tem inimigos externos, as ameaças à sua estabilidade e  continuidade são internas, mas das consequências dramáticas de uma eventual desintegração não se escaparão aqueles que primeiro abandonarem o edifício. Porque, se ele desabar, atingirá mesmo aqueles que, morando na vizinhança, nunca lá entraram .

O império britânico dissolveu-se, das glórias da Great Albion já sobra pouco mais que a City, e a velha senhora olha agora embevecida para o outro lado do Atlântico. Apesar de sempre ter mantido um pé dentro e um pé fora da União Europeia, os ingleses, num momento em que o edifício mostra brechas profundas, irão ameaçando que saem mas não saem, a menos que o edifício desabe, e saiam todos.

Fora do euro, o Reino Unido não tem observado uma evolução que, pela positiva, o distinga da zona euro, quando considerada globalmente. E tem evoluído pior que todos os membros do norte da Europa. Não podem, portanto, os britânicos queixar-se do euro porque nem o usam nem o suportam. Aliás, há alguns meses atrás, a senhora Merkel lembrou isso mesmo ao senhor Cameron quando este pretendeu participar em reuniões do eurogrupo.

A turbulência europeia, e nomeadamente na zona euro, é o bode expiatório que os ingleses precisam para justificar os seus próprios desaires na área económica. Se saem, ficam sem bode.

Sunday, November 18, 2012

A MENOS MÁ DAS MAIORES




A erupção violenta nos EUA da crise latente desde o movimento de deslocalização industrial para o oriente, atingiu depressa as economias ocidentais. Krugman, o infatigável Paul Krugman, afirma nos textos que publicou mais recentemente na sua habitual coluna do New York Times que, apesar de se encontrar ainda longe dos valores que lhe são habituais, a economia norte-americana mostra sinais evidentes de uma recuperação desperta sobretudo quando se compara com a continuidade da crise na zona euro, no Reino Unido e no Japão.
 
Causas para esta divergência: a política de austeridade prosseguida deste lado Atlântico, segundo Krugman. Uma explicação demasiado simplista? Talvez, porque não haverá apenas uma explicação mas um conjunto delas. Em todo o caso, é inquestionável que, como a tristeza, a austeridade não parece que pague dívidas nem ou nos arrede deste caminho de descontentamento sem fim à vista.
 
Segundo Kruman, se a política tivesse sido outra, outro galo cantaria na Europa nestes dias de Outono incerto.
 
 
Teria, não teria, é uma discussão interminável porque a economia não é uma ciência experimental, e as tentativas experimentais nestes domínios geralmente acabam por deixar em pantanas os laboratórios. Na União Europeia, podem deitar abaixo o edifício todo. 

Saturday, November 17, 2012

CONTO DO MALANJINO

Eram quatro da tarde, chovia, entrei na Bertrand do Chiado.
É admirável a tenacidade com que a velha Bertrand resiste à concorrência da FNAC, uns duzentos metros abaixo. Há sempre clientes junto ao balcão. Nos escaparates, nas estantes, e até no chão, há livros por todo o lado. Na primeira sala, onde uma placa relembra a quem não passe distraído por ela, aquele que foi um escritor maior da literatura portuguesa e tinha na Bertrand a sua casa no Chiado. Hoje quase ninguém lê Aquilino Ribeiro. Meia dúzia de títulos, semi escondidos, é tudo o que há à venda de Aquilino na sua sala na Bertrand. Para lá de inúmeras traduções e algumas versões nas línguas originais de autores estrangeiros, meia dúzia de escritores portugueses dignos do nome, e muita  literatice variada: entre muitos e maus, do maestro que não dá mais para a pauta mas gosta de contar histórias, do pivot da televisão que escreve quase tão rapidamente quatrocentas páginas quanto o professor Marcelo leva a lê-las, do pai do político que lhe aproveita o nome transitoriamente na ribalta. Dos nomes grandes da literatura portuguesa é ainda Pessoa quem ocupa espaço maior e mais destacado. É tão intenso o aproveitamento do filão que até para uma obra menor - o conto Vigário - convidou um editor um ex-ministro reciclado, como é da praxe, em comentador político, para lhe juntar um prefácio que ocupa três quartas partes do pequeno volume. ( vd aqui o texto de Pessoa).

Ocorreu-me, a propósito do conto do Vigário, o conto do Malanjino que um amigo há dias nos contou.

O Malanjino foi um dia destes de Malanje até Luanda, de carro, um velho Toyata, com a mulher.
Chegados à capital, deixou o Malanjino a mulher a fazer compras e foi até ao banco.
...
- E em que lhes podemos ser úteis, senhor Malanjino?
- Precisava de um financiamento.
- Muito bem. É para isso que cá estamos. Espere o senhor um momento, por favor, enquanto chamo o gerente.

O Malanjino não esperou senão duas horas até aparecer o gerente, o assistente do gerente e o primeiro empregado que o tinha recebido.
...
- Já sabemos que o senhor Malanjino precisa de um empréstimo, melhor dizendo, de um financiamento ... E de que montante precisa?

- De um kwanza ...
- De um kwanza? Só de um kwanza?
- Só de um kwanza.
- Supunhamos que fosse um montante mais elevado ... mas enfim, no nosso banco não perdemos um cliente nem um por um kwanza, ... terá o seu financiamento de um kwanza.
- Obrigado.
- Tem, no entanto, algumas condições ...
- Naturalmente, os juros ...
- Os juros, são 14% ao ano.
- Concordo. Podemos assinar o contrato.
- Tem mais um outro particular ... as garantias. Bem sabemos que um  kwanza só é coisa insignificante, mas é das regras do banco não emprestar sem garantias. Que garantias nos pode dar o senhor Malanjino?
- Garantias, garantias, aqui em Luanda, comigo só tenho o meu carro e a mulher.
- Pois bem, aceitamos o carro em garantia. Assinamos o contrato e o senhor Malanjino deixa o carro na garagem do banco até integral pagamento do empréstimo.

Conduziu o Malanjino o carro para a garagem do banco, um espaço coberto, imenso, com poucas viaturas estacionadas. Deu até para escolher lugar próximo do elevador.
Já na rua, telefonou o Malanjino para a mulher: Herédia! Tenho o probelama do parqueamento do carro resolvido. Por um kwanza, imagina tu. Já podemos ir descansados de férias para a Europa.

Leia-se Joe Berardo (ou outro personagem com características semelhantes) no lugar do Malanjino e a Caixa Geral de Depósitos como banco, e perceber-se-á a relativa pequena dimensão da esperteza do habitante de Malanje ou a enorme irresponsabilidade e inimputabilidade dos caixeiros da Caixa.

PARA AMIGOS, MÃOS ROTAS

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou ontem - vd aqui - que, por decisão unânime, além do mais, os munícipes lisboetas vão ser contemplados com reembolsos no imposto de IRS de 2013 e na aplicação mínima da taxa de IMI. Com a edilidade lisboeta, são já 14 as câmaras que anunciaram reduções semelhantes.
 
É mau? Não, e algumas medidas anunciadas fazem todo o sentido: nomeadamente aquelas que incentivam a residência de pessoas e empresas na área dos respectivos concelhos e penalizam os prédios degradados ou abandonados. Mas seria bom se este bodo a pobres e ricos não decorresse em sentido oposto aos das medidas de austeridade previstas pelo governo no OE e que abrangem munícipes de todo o país. Seria óptimo se decorressem da aplicação de superavites correntes gerados nos municípios, mas não é nada disso que acontece.
 
A Câmara Municipal de Lisboa é uma das câmaras endividadas. Agora, menos que antes, mas  regista ainda um endividamento excessivo. Não vai, portanto, devolver aos munícipes os dividendos acumulados em administrações camarárias anteriores nem os resultados da actual equipa. A redução do endividamento da câmara lisboeta deve-se na sua esmagadora maioria ao contrato de venda dos terrenos do aeroporto e do CCB ao Estado. Isto é:
 
O governo concedeu, para resolução do excessivo endividamento da Câmara Municipal de Lisboa comprar-lhe terrenos que pertenciam, e continuam a pertencer, ao Estado. Como o Estado está no estado financeiro de penúria extrema que se conhece, os fundos entregues à Câmara de Lisboa fazem parte da dívida pública que já está nos 120% do PIB, com tendência para subir muito mais,  o mesmo significa que o governo, que, em nome do Estado, comprou os terrenos à câmara, aumentando a dívida, é o mesmo que, em nome do Estado, aumenta os impostos aos portugueses em geral (há sempre alguns que se escapam) para evitar que a dívida não suba tanto já que não consegue suster-lhe a subida.
 
Causas próximas disto: sem regatear bondade à medida, temos de procurar as razões políticas que lhe estão por trás já que dos suportes financeiros conhecemos que chegue. O senhor António Costa não dá ponto sem nó e em 2013 há eleições municipais, as quais são das tais que o senhor Passos Coelho quer que se lixem porque sabe que, muito provavelmente, as vai perder e o senhor A J Seguro, sem saber como, as vai ganhar. O senhor António Costa, vai recandidatar-se à Câmara, mas já corre há muito noutra pista. Saltará para a frente quando os incumbentes cairem estafados. Os vereadores da oposição, que votaram unânimemente a proposta, sabem que, na melhor das hipóteses, conservarão so seus lugares porque nenhum deles, e muito menos o senhor Pedro Santana Lopes, estará embalado para pensar na presidência. Aliás, barbado, o senhor Santana Lopes, fez votos, na ocasião, que outros municípios seguissem o exemplo de Lisboa. O poder central põe, o poder local dispõe.
Assim sendo, pagamos (quase) todos para o bodo a pobres e ricos em 14 municípios. Para já, porque estas modas, quando o tempo é propicio, pegam-se mais depressa que a gripe. Mostram obra feita e ainda devolvem impostos! Melhor, só na Madeira.
 
A propósito de Jackpot: PSD recusou cortar 24 milhões de euros no OE para as campanhas autárquicas.  E isto porque Passos Coelho quer as eleições se lixem. Se lhe interessasse ganha-las faria como o senhor António Costa e mandava-nos a todos um cheque pelo Natal e outro lá mais para o Verão.   
 
 

Friday, November 16, 2012

JOGO DE ENGANOS

Ouço as declarações de deputados que participaram numa reunião com a troica. O deputado do PSD mostra-se satisfeito com a reunião, a troica mostrou, segundo ele, disponibilidade para aceitar medidas que possam impulsionar o investimento e o crescimento, nomeadamente a aceitação de uma taxa de IRC reduzida para novos investimentos; aliás, o ministro Santos Pereira tinha referido esse objectivo há dias. O deputado do CDS enfatizou que a redução estrutural da despesa pública é essencial à recuperação económica; o deputado do PS afirmou não ter ouvido qualquer disponibilidade, antes pelo contrário por parte da toica para encarar a adopção de medidas que possam permitir a recuperação económica: a troica mostrou-se inflexível, remetendo para o governo a responsabilidade dos resultados dos compromissos assumidos; o deputado do PCP acusou a troica de responsabiliade conjunta com o governo da situação desastrosa a que o país chegou; a deputada do BE estranhou a passividade do governo perante a fuga às responsabilidades da troica pelos resultados de um programa que ela mesma determinou. (vd  tb. aqui, aqui, aqui, aqui).
E fica-se com a impressão de um visionamento de um filme ao contrário.
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Enquanto alinhavo estas linhas, ouço o lider do PS afirmar que, após reunião com a troica, contata que mantem-se a insensibilidade da troica para a evolução da situação económica e social do nosso país e a incapacidade do governo para conseguir junto da troica uma inversão da política  que nos leva por um caminho que nem nos permite crescer, nem reduzir o desemprego, nem pagar a dívida.
 
Até agora, o primeiro-ministro (ou o ministro das Finanças?) tem sido acusado de obsessão pela austeridade como um caminho sem alternativa, assumindo, explicitamente, ter ido mais além daquilo que os compromissos assumidos pelo trio com a troica. As declarações dos deputados, que comecei por  referir, são, aparentemente, contraditórias com o sentimento anterior transmitido à opinião pública: afinal a troica parece insensível aos argumentos de todos os quadrantes políticos representados na AR e o síndrome do bom aluno  de que o governo tem sido acusado afinal uma impotência generalizada.  
 
O que é, afinal, chocante é que não sejam as diferentes forças políticas capazes de uma união susceptível de mostrar conjuntamente à troica aquilo que é evidente para todos, incluindo a troica: Portugal não tem nenhuma hipótese para cumprir os objectivos impostos pela troica e assumidos pelo trio em situação de necessidade extrema. Se a economia não recupera, e não recupera se continuar por onde tem andado, Portugal não pode reduzir a dívida nem pagar os juros. Definitivamente, essa incapacidade tem de deixar de ser tabu. À dívida tem de ser aplicado um "hair cut" e os juros têm de ser suportáveis. Se não, estas reuniões com a troica não passam de um jogo de enganos onde todos os participantes que têm poder de intervenção são comparsas.
 
Repito aquilo que já começa a ser uma convicção generalizada: Passos Coelho não pode continuar a governar como se, também ele, não estivesse sob tutela. A troica assinou um memorando de ajuda com um trio. Se na preparação e participação nas reuniões de avaliação com a troica continuar a não envolvido a tempo inteiro o primeiro subscritor do memorando de ajuda, a troica pode ir impondo o impossível e António José Seguro até pode, em situação de desespero colectivo, ser guindado a primeiro-ministro. Mas será um jogo perdido para todos, e para Seguro uma vitória de Pirro.

NÚMEROS DO EURO

 
 

Thursday, November 15, 2012

OITO RAZÕES PARA PRIVATIZAR A CAIXA

Nicolau Santos argumenta na edição de sábado passado do Expresso/Economia com "oito razões para não se privatizar a Caixa"

1) "A CGD desmente que tudo o que é público dê prejuízo - ao longo da sua história, a Caixa foi sempre um dos maiores pagadores de impostos para os cofres do Estado ..." "Contribuiu de forma marcante para a modernização do sistema financeiro português ao longo de décadas, sendo um dos principais financiadores da economia nacional, sobretudo das pequenas e médias empresas."
 
 Quanto ao pagamento de impostos,  e dividendos, acrescento eu, NS esqueceu-se dos dividendos, NS também se esquece ou desconhece que, só recentemente, a Caixa deixou de ter o privilégio do exclusivo das operações de pagamentos e recebimentos do Estado. Esquece ou desconhece que todos os salários da função pública eram pagos através de contas bancárias obrigatoriamente abertas na Caixa. Que essa obrigatoriedade induzia uma inércia que fazia reter na Caixa a grande maioria das poupanças da função pública. Que, pelo facto de ser um banco do Estado, garantia, só aparentemente, os depósitos nela efectuados de forma mais efectiva que os depósitos em bancos privados. Que, durante muitos anos, teve o exclusivo, com parceiros menores como o Crédito Comercial Portugês e o Montepio Geral, do crédito à habitação, actividade em que se especializou. Mas nunca foi, nem hoje é, um dos principais financiadores da economia nacional, sobretudo das pequenas e médias empresas. E, contrariamente ao que afirma NS, a Caixa comportou-se sempre como uma grande repartição pública, olhando os seus clientes, do alto da sua soberba, como contribuintes. Recentemente, modernizou-se imitando a imagem dos privados. Copiou-lhes a modernidade e os truques com que inundaram o país de crédito importado, afogando a economia de dívidas.
 
Quanto aos impostos ( e dividendos, NS não se esqueça dos dividendos) com as condições de que desfrutava ( e ainda desfruta) o que admira não são os lucros mas as perdas escandalosas que agora está a declarar e o aumento de capital e empréstimo para recapitalização a que teve de recorrer. 
 
3 - "A Caixa tem sido usada pelo Estado para evitar que algumas empresas caiam em mãos estrangeiras ... ) "
 
Antes de mais, logo o início deste argumento de NS está viciado: Porque o Estado não usa, nem usou, quem usa ou usou foram os governos, o que, claramente, está muito longe de ser a mesma coisa, porque nem sempre são coincidentes os interesses da sociedade organizada como Estado com os interesses dos governos suportados por interesses partidários. NS dá dois exemplos desta intervenção, para ele, virtuosa: o Grupo Champalimaud e a compra da Compal pela Sumolis. Ora o que é que do segmento financeiro de Champalimaud não foi parar ao Santander, via Banesto? O que foi para o BCP. Pior a emenda que o espanhol. Quanto à compra da Compal pela Sumolis já muita gente disse o que toda a gente sabe: um empenhamento da Caixa num negócio que não acrescentou nada à economia nacional. Estranho é que não tenha NS referido a intervenção da Caixa ( a mandado do governo de então, pois de quem haveria de ser?) na luta accionista no BCP sem garantias consistentes nem vantagens para a economia nacional, e na gestão desastrada do maior escândalo financeiro de sempre que deu pelo nome de BPN.
 
4 - "Há quem considere que é por isso que se deve privatizar a Caixa, para evitar a sua utilização pelos políticos. O problema não é da Caixa, é de quem está à frente dos destinos da Caixa ..." 
 
A culpa não é das calças, Nicolau!
 
5 - "A Caixa cumpre um visível papel de coesão territorial do país, ao manter abertas em locais recônditos agências que servem populações isoladas dos grandes centros urbanos ... "
 
Não há razão nenhuma para que não haja sempre quem localmente possa ser correspondente de um ou mais bancos. Os mais recentes desenvolvimentos na área das telecomunicações têm permitido que os clientes não necessitem de um balcão físico para realizar a maior parte das operações que necessitam. A idade da caderneta da Caixa se ainda não passou acabará por passar. 
 
6 - " A Caixa é o último reduto de confiança dos depositantes no sistema financeiro português ..."
 
Esta afirmação é um disparate total. No dia em que houver uma corrida aos bancos, a Caixa cai como qualquer outro banco privado. Só ignora isto quem não percebe a dinâmica de uma corrida aos bancos. Pode começar por ser irracional, acaba sempre por ser racional. NS argumenta, a este propósito, que "a Caixa absorveu quatro instituições, a última das quais o BPN, para evitar uma corrida aos depósitos dos bancos privados". Ora a Caixa não absorveu o BPN, geriu-o de forma desastrada, aumentando em larga medida o escândalo que lhe foi entregue para gerir. Quem segurou a corrida aos bancos, NS, foram, e continuam a ser, os contribuintes. A Caixa, se teve um papel relevante no caso do BPN, foi o de papel de embrulho.
 
7 - "A venda da CGD não resolve o problema da dívida nacional ..." 
 
Pois não. Mas pode ajudar a resolver. Segundo o raciocínio de NS, nenhuma privatização ajudou ou ajudará a resolver o problema da dívida. O que NS não explica é como se podem manter os anéis e os dedos quando o país chegou ao estado a que chegou.
 
8 - "A criação de um banco de fomento serve apenas para justficar a privatização da Caixa. A CGD pode ser esse banco de fomento - "  
 
Se pode agora por que é que nunca pôde? Porque nunca teve, nem tem, vocação e competência. A Caixa é um mastodonte de pele insensível, velocidade lenta e visão estreita. E come muito. Privatizem a Caixa e constituam de raiz um banco de fomento, de capitais mistos, competente.

CONCEITOS PROPOSITADAMENTE CONFUSOS

" ... Mas alguém pode justificar que, se a despesa pública não produz crescimento a um nível de 49% do PIB, como é o caso português, já o produziria se aumentasse para 51% ou 52%?", pergunta A. Pinho Cardão aqui
 
 
- ... para lá dos comentários que fiz em outros apontamentos teus com idêntico propósito - recusar os impostos, que são imediatamente sentidos, não basta e provoca desastres ao retardador, porque a despesa pública cresce entretanto, à custa do endividamento, invisível até acontecer o que aconteceu - gostaria de referir que não me parece correcto referir que a despesa pública é de 49% do PIB porque só o será se considerares que as pensões pagas aos oriundos dos sectores privados são despesa pública e as contribuições TSU, impostos. Na realidade, se retirares à "despesa pública" as contribuições dos sectores privados a relação baixa, segundo as minhas contas, para 38,5%.

Nem as contribuições TSU são impostos nem o pagamento das correspondentes pensões despesa pública. Se o fossem, eu teria pago durante dezenas de anos impostos que muitos outros portugueses não pagaram, incluindo os bancários, por exemplo. A função pública não presta um serviço nesta matéria para além de, grosso modo, receber de um lado e pagar ao outro. Tendo os governos,  durante muitos anos, aplicado as diferenças positivas para reduzir o défice.  Dirme-ás: Mas é assim que as contas são feitas. Pois é. Mas há muitas contas mal feitas.

- Quanto ao tema do post (que é de Março de 2005), as contas são o que são e o défice integra os custos da segurança social. Assim é em toda a Europa e para o Eurostat, e para o BCE e para a Troyca. Mas, mesmo que não integrasse, a questão seria absolutamente a mesma. Mais despesa pública e mais impostos, nas actuais circunstâncias, e também em 2005, não resolve nada na economia. Pior, só estraga. Só traz desvantagem e prejuízo.
Como está suficiente e abundantemente provado
 
- ... Calcular um valor a partir de dados abstrusos desvaloriza o resultado. Despesa pública é aquela que pagamos como contrapartida de um serviço prestado pela função pública. A redução das pensões aos contributivos não é uma redução da despesa pública porque as pensões não são pagas com impostos. Pelo contrário: Só este ano, segundo relatório do INE, a segurança social apresentou défice. Ao longo de muitos anos contribuiu para o défice. Contribuiram muitos, mas não todos. As contribuições TSU nunca foram exigidas a todos os portugueses. A sua abrangência é totalmente diferente da dos impostos. Misturar uma coisa com outra pode forçar uma conclusão mas não ajuda a boa compreensão do que está em causa.
As contas públicas, desde logo porque são contas de caixa, sugerem muitas conclusões falsas.
 
- ... Estás errado duas vezes:
a) as contas que servem de base ao cálculo da receita, da despesa e do défice validado pelo Eurostat são obtidas a partir da contabilidade nacional, não da contabilidade pública. Esta última é uma contabilidade de caixa, regista recebimentos e pagamentos; por seu lado, a contabilidade nacional aproxima-se da contabilidade empresarial, registando proveitos e custos. Entendido?
b)Todos podemos ter o nosso próprio conceito de despesa pública, a liberdade também dá para isso. E nesse conceito, englobar ou retirar o que nos aprouver. Mas há um conceito oficial de despesa pública, definido pelo Eurostat e a que todos os países da CE naturalmente obedecem. Sem o que comparações seriam impossíveis. E quer os custos da Segurança Social quer os proveitos estão lá incluídos. Entendido também?
Mas, pronto, acedamos ao teu critério. E o que é que resulta daí?
Torna-se a despesa sustentável? Se se mantiver o equilíbrio da Seg. Social não será necessário diminuir nas outras parcelas da despesa para que haja sustentabilidade?
A questão é que a despesa é demasiada face aos recursos. Pelo que terá que ser reduzida. Só isso. Sob pena cde colapso total dos serviços e da própria segurança social.
Mas para quê estar a dizer isto, se tu já há muito o entendeste e entendes bem?

- Vamos lá então analisar os meus erros?

Contabilidade pública ou contabilidade nacional, para este caso a diferença é irrelevante.
Qualquer que seja a contabilidade que recorras, a tua conclusão incorpora um conceito que está, do meu ponto de vista, e expliquei porquê, errado, ainda que seja o adoptado pelo Eurostat. Logo, salvo melhor opinião, não estou errado. O conceito, pelas razões que já referi, está. E tanto está que, por exemplo, a incorporação de fundos de pensões de bancos foi considerado receita mas não foram registados os respectivos compromissos. Se isto não é contabilidade de Caixa que, neste caso, nada difere dos conceitos adoptados em contabilidade nacional e aceites pelo Eurostat, o que é? Uma patuscada.

Ora esta confusão de critérios que leva a considerar a despesa no ensino (uma prestação de serviços) ou da saúde, ou da justiça, da mesma natureza com o recebimento de contribuições e pagamento de pensões pode ajudar às tuas conclusões mas não me convencem a mim.

E não me convencem porque a confusão nem é inocente nem inconsequente. Sabes qual o valor dos superavites acumulados ao longo de muitos anos pela segurança social e absorvidos pelo défice das contas públicas? Não sabemos.

Mas, agora que a crise chegou, o desemprego aumentou, e a demografia declinou, para redução da despesa pública reduzem as pensões. O poder descricionário do governo pode muito. Mas é iníquo para poupar a palavra mais adequada.

E é iníquo porque os contributivos pagaram contribuições e impostos enquanto que muitos não pagaram, quando pagaram, senão impostos.

Podem retirar-nos tudo mas, por favor, não nos considerem a todos ignorantes!

Já agora, e ainda a propósito de contabilidade pública/contabilidade nacional: Meu caro António, o que passa propositadamente ao lado de uma não é apanhado pela outra. E tu sabes bem que foi, e continua a ser, assim. Não ignoras a bandalheira das desorçamentações nem as omissões que vigarizaram as contas da Madeira. Por exemplo. Há muito mais para lá desta confusão de conceitos que tanto desconcertam as contas públicas como as nacionais. Mas não vou abusar deste espaço nem da tua paciência

Wednesday, November 14, 2012

DEBAIXO DO COLCHÃO

Na passada sexta-feira, "dia da poupança", o governador do Banco de Portugal divagou ( vd aqui), perante uma assistência seleccionada, acerca dos benefícios e dos malefícios da poupança, e debitou, para além de um conjunto de lugares-comuns - a poupança em si não é produtiva e tem um impacto negativo sobre o consumo, só é virtuosa quando transformada em investimento, que, por sua vez, gera aumento de oferta e oportunidade de mais consumo no futuro - e uma afirmação patusca: se a poupança, decorrente da abstenção de consumo, for colocada num cofre ou debaixo do colchão, não se traduz em investimento nem em sustentação da procura.
 
Patusca, porque só por brincadeira com coisas sérias o governador do Banco de Portugal supõe, ou quer fazer supor não sei a quem, que os capitais que contam e que se escapam ao consumo e ao investimento se abrigam debaixo dos colchões dos portugueses. O governador do Banco de Portugal não ignora algumas das causas que permitem à Alemanha, além de outros países do norte e até a França, financiar a sua dívida a juros negativos ou próximos de zero, ao mesmo tempo que os países financeiramente fragilizados pagam juros incomportáveis e vêm as suas dívidas progredirem numa espiral medonha que ameaça a continuidade da União Europeia.
 
Mas também patusca porque o governador do Banco de Portugal sabe que a poupança e o crédito importado pelos bancos se direccionaram, em larga medida, durante muitos anos para o investimento em cimento e para aplicações especulativas que, em muitos casos, eram, e continuam a ser, um jogo de casino onde toda a batota, foi, e ainda é, ignorada pela supervisão do Banco de Portugal. Terminada a bebedeira do cimento, quem se apoquenta agora com o futuro, o que poupa ainda o confia aos bancos, a julgar pelas notícias que dão conta de, espantosamente, estarem a subir em Portugal os depósitos a prazo em Portugal.
 
O que fazem os bancos a estas parcas poupanças, governador? Aplicam-nas em investimentos reprodutivos que criem sustentavelmente riqueza e emprego?  Onde, governador?
 
"Poupar para investir é a estratégia certa". Pois é. Mas enquanto não houver, pelo menos, a união bancária, que o governador na ocasião disse defender, não haverá nem recursos suficientes, nem investimentos a sério. E até lá, debaixo dos colchões dos portugueses não creio que haja coisa que valha  um discurso do governador do Banco de Portugal.  

Tuesday, November 13, 2012

GESTÃO PRIVADA, GESTÃO PÚBLICA

Por que é que em Portugal as escolas do ensino secundário privadas ocupam os primeiros vinte lugares do ranking das melhores escolas do país e as universidades privadas, salvo a Católica, são geralmente consideradas de pior qualidade que as públicas? Por que é que os alunos das escolas secundárias privadas se candidatam às universidades públicas e são maioritariamente provenientes do ensino secundário público os que frequentam as universidades privadas? Por que é que as escolas secundárias privadas de prestígio são, geralmente antigas, e as universidades privadas têm observado um índice de falência elevado? (Fechou (vd aqui) uma universidade privada por ano na última década).
 
Há muitas explicações das consequências mas não são claras as causas quando se comparam as situações relativas entre escolas secundárias e universidades privadas. Pode, por exemplo, argumentar-se que para as universidades privadas o ensino é um negócio e o objectivo do lucro compromete a exigência de excelência. Mas para  os sócios ou accionistas das empresas de ensino secundário o lucro não é um objectivo? Claro que é. Pode justificar-se a melhor performance das escolas secundárias com a frequência de alunos provenientes de classes mais abastadas e, portanto, com melhores condições para serem, em média, melhor sucedidos do que os que frequentam a escola pública, que são maioritariamente provenientes de classes menos favorecidas. Mas por que é que não preferem, geralmente, os alunos provenientes das classes abastadas a frequência de universidades privadas? E a resposta óbvia é: porque as universidades privadas, salvo a Católica, são menos qualificadas, em geral, que as universidades públicas.
 
Esta questão, aparentemente peregrina, tem a sua razão de ser quando se fala com alguma insistência na privatização de alguns serviços públicos e, nomedamente, do ensino.  O Diário de Notícias está a publicar um conjunto de artigos sobre o tema do ensino superior privado em Portugal e, da sua edição
 
 Metade dos ministros de Passos formou-se no privado
 
Como explicar o facto de uma actividade, que envolve valores tão elevados mas tem observado falências frequentes nos seus membros, mostre uma resiliência notável apesar da sua imagem de menos boa qualidade junto da opinião pública, e até apresente um palmarés tão relevante de sucesso político relativo dos que frequentaram universidades privadas? Para além de seis (dois da Católica) dos doze membros do actual governo, formaram-se em universidades privadas o actual líder do PS e o seu antecessor e ex-primeiro ministro, por exemplo.    
 
Uma explicação possível para este ramo de aparentes paradoxos: ao estudante do ensino secundário exige-se-lhe a prestação de provas e a obtenção de mínimos (em alguns, casos muito elevados) para entrar na faculdades da sua preferência; ao licenciado, essa exigência é geralmente negligenciada pelos empregadores. Daí que aqueles que podem frequentam escolas prestigiadas de ensino secundário de modo  a poder entrar em universidades públicas, resignando-se muitos dos que frequentaram o ensino secundário público a pagar propinas mais elevadas para frequentar universidades privadas. No caso do ensino secundário, o objectivo impõe a excelência; no ensino superior, o canudo, exclusivo objectivo de muitos, dispensa normalmente a excelência do ensino encanudado.

Aliás, do mesmo modo se explica a degradação observada em muitos cursos superiores em instituições de ensino superior públicas. Com o objectivo de conseguirem ver aumentadas as dotações orçamentais, concedidas em função do número de alunos, foram, e continuam a ser, admitidos em cursos menos procurados candidatos com notas negativas em cadeiras nucleares desses cursos. 

A gestão pública não é, só por ser pública, pior nem melhor que a privada. No ensino, ou em qualquer outra actividade, a excelência é mobilizada pelos objectivos que a concorrência determina. Se o canudo basta, a excelência requerida fica-se por aí. Quando o savoir faire se sobrepõe ao know how, a cunha e a inscrição política sobrepõem-se a tudo mais.