Saturday, October 31, 2009

O JOGO DA CABRA CEGA

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"a própria essência da máfia que são os bancos em Portugal"

Caro António,

Não serei eu a defender a ética bancária, em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo. Também tenho as minhas razões de queixa mas, no caso em questão, o que está em causa não é um banco mas a suspeita lançada sobre o vice-presidente de um banco, suspeita essa que, ao que parece, não se correlaciona com a sua actividade bancária.

O caso Vara é exemplar quanto à diferença que caracteriza a decisão entre o sector público e o sector estatal numa situação de suspeição de corrupção.

No sector privado, um gestor suspeito de um acto de corrupção, se não for patrão, mesmo que tal acto não decorra das suas actividades na empresa, será, pelo menos, convidado a afastar-se das suas funções até que a suspeita seja esclarecida. Custar-me-ia a acreditar que uma situação semelhante pudesse ocorrer num banco como o BES ou o BPI, por exemplo.

Acontece, e aconteceu antes, de forma muito mais escandalosa no BCP, porque nele prevalece uma conivência táctica entre alguns dos principais accionistas e o partido que recomendou a eleição do presidente e do vice-presidente do banco após o escândalo que levou à queda da anterior administração.

Vara, por razões que estão por esclarecer, tem o condão de, com alguma frequência, se ver obrigado a reclamar a sua inocência. É um relapso inocente que conta com o conforto dos camaradas que não o deixarão cair por um deslize notável quanto mais por uma ninharia de dez mil euros.

Entretanto, o inquérito do Banco de Portugal seguirá o seu curso em meandros que o tornarão interminável ou inconsequente. Os camaradas são, como se sabe, para as ocasiões. Os principais accionistas não deixarão de cobrar em devido tempo os juros da sua complacência. Os outros, a arraia miúda, entreter-se-á com as sobras.
E a CMVM assobia para o ar, como é seu hábito.

ALIÁS

Aliás, 4 anos.

Friday, October 30, 2009

A GRANDE GUERRA

No "Expresso da Meia Noite" estão o líder da Fenprof, um professor do ensino secundário, um representante do PSD, outro do CDS. Do professor do ensino secundário, há pouco mais a dizer que a sua escola (em Grândola) fez a avaliação porque já havia experiência de autoavaliação.
Quantos aos representantes dos partidos, os seus depoimentos mereceram abanos de cabeça aprovadores do líder da Fenprof: O do PSD porque propõe o retorno à estaca zero e a adopção de um processo de avaliação que não definiu; o do CDS, propõe um modelo idêntico ao "adoptado no ensino particular" recorrendo à autoavaliação, sem quotas. O líder da Fenprof, para além dos argumentos batidos (burocracia, falta de diálogo, etc.) sublinhou a rejeição das quotas. Esclareceu ainda que, mesmo no ensino particular, o sistema só está em vigor em 18% dos estabelecimentos de ensino do sector.
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É na questão das quotas que reside o nó górdio da avaliação dos professores. A proposta do CDS é demagógica. Porque o CDS sabe perfeitamente que as quotas existem no ensino privado só que não são evidenciadas. Os dirigentes dos estabelecimentos de ensino particulares aplicam critérios de avaliação, independentemente da existência de sistemas de avaliação, formais ou não, que premeiam os que julgam mais capazes. Todas as empresas procedem intuitivamente do mesmo modo mesmo que não façam a menor ideia do que é um sistema elaborado de avaliação.
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No ensino público, e mais geralmente em todos os serviços públicos a inexistência de quotas, equivale à não existência de avaliação, porque de um modo geral quase todos serão considerados bons pelos avaliadores sobre os quis não recaem quaiquer ónus pela bondade relaxada da sua avaliação. Passa-se uma situação semelhante em organizações privadas complexas onde a existência de critérios de avaliação e a imposição de quotas é um instrumento, eventualmente o menos mau de todos os sistemas, capaz de impor homogeneidade e equilíbrio na avaliação de um universo numeroso de avaliados.
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Ouvindo os partidos da oposição (o do governo ainda não se pronunciou) fica-nos a sensação de que continuam em campanha eleitoral após as eleições. Sobretudo da parte do PSD, que acusa nitidamente a irresponsabilidade de quem aguarda um outro líder.
Quando não há quem marque o rumo ao barco a irresponsabilidade fica à solta entre a tripulação.

CARLA NUA


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Em Março do ano passado, um retrato de Carla Bruni, primeira-dama francesa, foi posto em leilão em Nova York pela Christie's por US$ 4 mil. Acabaria por ser vendido por 91 mil dólares.
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No próximo mês, uma outra fotografia da sra. Sarkozy vai ser leiloada em Paris, mas não é esperável que atinja um valor que atinja os dois dígitos. Os franceses, de costumes mais liberais, darão muito menos valor à sua primeira-dama que os norte-americanos. A menos que haja, na altura, alguns interessados do outro lado do Atlântico em férias em Paris.

Thursday, October 29, 2009

UM AEROPORTO A VOAR

Soube-se ontem que a Caixa Geral de Depósitos já tem um envolvimento no BPN da ordem dos três e meio mil milhões de euros, qualquer coisa que daria para pagar o novo aeroporto e ainda sobrar dinheiro.
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Ouvido o presidente da Caixa acerca da enormidade, o (i) responsável respondeu que o apoio da CGD ao BPN nada tinha de anormal, são operações frequentes entre bancos. Perguntado se a CGD não corria riscos, tornou o (i) responsável que não senhor, não havia riscos de qualquer espécie porque os empréstimos tinham o aval do Estado*. Assim, também eu, diria o amigo Banana.
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Algum tempo depois, num destes programas frente-a-frente, um dos participantes, deputada por um partido da oposição, escolheu como assunto inicial o buraco sem fundo em que se tornou o BPN. Ripostou o participante, deputado do Governo, que aquele não era assunto para ser discutido na televisão, o lugar próprio para interpelar o Governo era a AR, onde ambos têm assento. Quando, ninguém sabe. O que se sabe é que o BPN é um sorvedouro que já deveria ter sido estancado há muito, custasse o que custasse, porque sempre custaria menos do que esta sangria sem fim.
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Um dia, quando o buraco negro se alargar ao ponto de atingir dimensões insustentáveis, perceber-se-á que os contribuintes portugueses têm às costas uma carga insuportável que a CGD assumiu em seu nome a mando do Governo.
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TÊGÊVISTO

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Já nem a SNCF, a CP francesa, quer mais o TGV. Em Julho alterou a última e antiga encomenda da linha para Nice. No mais, cancelou o TGV, optou por 60 composições tipo light-fast-train, que chega aos 160km/h, e, o que é o mais importante, acelera e trava com rapidez.
O que importa numa viagem não é a velocidade máxima mas sim a média. Esta é ditada pela aceleração e pela travagem, pelo número de vezes que o comboio pára e pelas curvas. A meta não é transportar 220 pessoas de um ponto a outro, o que o avião faz até por menos dinheiro. O objectivo é interligar os recursos de um país, espalhados pelas riquezas naturais e humanas das cidades situadas ao longo da via. É para potenciar estes recursos que se fazem obras púbicas. Em Espanha, o cidadão que não usa a RAVE paga 1,1 mil milhões em subsídios para manter as linhas. A Inglaterra cancelou os planos do TGV entre Londres e Manchester. A própria Alstom já testou o AGV, similar ao Alfa, substituto do TGV. Desde 1998 o TGV tenta entrar na Austrália e não consegue. O mesmo na Suécia, Argentina, Brasil, EUA.Por que não adoptar o que todos os países estão a fazer ferrovias mistas e Light-Alfa, que chega aos 250 km/h, pendular, mais baixo e moderno para passageiros; e carga em carruagens leves em high-strength-steel, nos horários entre os rápidos de passageiros e durante a noite. Se houver algum troço de linha com muitos comboios simultáneos, considerar a terceira via, como já se faz, por exemplo, na Suécia, por uns cinco quilómetros antes e após as grandes estações, para que os rápidos lá possam disparar, enquanto os lentos aceleram ou travam nos carris tradicionais. O moderno sistema de sinalização já o permite.Querem meter goela abaixo o velho TGV em Portugal? É este o preço por termos um português na UE? Ler mais detalhes no livro "Como Sair da Crise".

O QUE É ISTO?

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O JOGO DA CABRA CEGA

Armando Vara constituído arguido
O vice-presidente do Millennium BCP Armando Vara foi constituído arguido no processo de investigação "Face Oculta", que conta com mais 11 pessoas nessa situação, revelaram o "Público", "RTP" e "Expresso". O inquérito está a ser conduzido pelo Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Aveiro.
Empresário Manuel Godinho detido no âmbito da operação "Face Oculta"
PJ questiona três colaboradores da Refer
REN "não está a ser alvo de investigações"
Paulo Penedos constituído arguido na operação "Face Oculta"
Presidente da REN "à disposição de todas as autoridades"
Investigação da PJ leva à prisão de uma pessoa e à constituição de 12 arguidos
Operação da PJ visa grupo que integra empresa O2
PJ interrogou funcionário da Galp da Refinaria de Sines
Buscas da PJ visam gabinetes de funcionários da REN e Refer
PJ investiga 30 quadros de grandes empresas
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Intrigante é o valor em causa no caso de Vara, embrulhado por uns trocos, e a bonomia de Penedos* manifestada a partir de Espanha, onde se encontra, para colaborar com a polícia, como se a condição de arguido fosse idêntica à condição de inocente.
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*actualização :

Wednesday, October 28, 2009

ALBERTOS

(Alberto Costa ex-Ministro da Justiça depois de perder o lugar para Alberto Martins)
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Acabou de passar a pasta a outro Alberto, de quem é amigo há mais de 40 anos. Quando o anterior e actual ministro da Justiça se conheceram eram os dois peças-chave do movimento associativo universitário do final dos anos 60 - Alberto Costa em Lisboa, Alberto Martins em Coimbra."Ficámos todos amigos. As amizades na política moderna exigem esfaqueamentos, abandonos, rejeição, intriga. Entre todas essas pessoas mantiveram-se relações muito sólidas", diz Alberto Costa ao i, lembrando que quando lançou no Porto o livro sobre a sua experiência como ministro da Administração Interna de António Guterres, pediu a Alberto Martins para o apresentar.
Com outros dois membros dessa geração de ouro do combate estudantil à ditadura Alberto Costa vai partilhar os corredores da Assembleia da República: são eles os actuais deputados do PS Osvaldo de Castro e Jorge Strecht. O advogado Celso Cruzeiro, outro dos amigos sólidos feitos nessa época, vive em Aveiro. Mas também na bancada do PSD vai reconhecer um antigo colega: no meio da efervescência do final dos anos 60, José Pacheco Pereira ainda passou um ano na Faculdade de Direito em Lisboa.
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O JOGO DA CABRA CEGA

Trinta quadros de grandes empresas sob suspeita de corrupção
A Polícia Judiciária desencadeou hoje a operação “Face Oculta” que teve como alvos os domicílios e os locais de trabalho de cerca de três dezenas de quadros médios e superiores de grandes empresas.
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A originalidade destas coisas está só no pitoresco dos nomes das operações. O resto é rotina.

A GRANDE GUERRA

Começam cedo.*
O teste à capacidade política do Governo minoritário, à sua determinação ou à sua complacência, para não recuar nas reformas introduzidas pelo anterior maioritário, mas também ao oportunismo e à demagogia da oposição alternativa**, começa, como tudo fazia crer, no sistema de avaliação dos professores.
Que não querem ser avaliados, na sua maior parte.
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Porque avaliação significa distinguir os melhores dos piores e essa distinção implica um risco para a unidade corporativa da classe que ela não quer correr. E não perde tempo. Independentemente das alterações que vierem a ser introduzidas no sistema de avaliação, a Fenprof começa, desde já, por querer eliminar o calendário. É a primeira batata quente em mãos de Isabel Alçada.
Vai encher o saco depressa, a menos que o saco esteja à partida já, decididamente, roto.
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A Fenprof enviou esta manhã uma carta à nova ministra da Educação, Isabel Alçada, pedindo a suspensão urgente do modelo de avaliação dado que na próxima sexta-feira termina o prazo para as escolas definirem o calendário da nova fase do processo.
**CDS abre caminho para solução na Educação
O CDS-PP está disponível para chegar a um entendimento sobre a avaliação dos professores: os centristas vão começar por conversar com os sindicatos e com os restantes partidos na AR.
Pois.

Tuesday, October 27, 2009

XEQUE AO REI - 2

A economia não será uma ciência exacta, nem parece que exista exactidão absoluta em ciência alguma, mas há, seguramente, algumas contas que seriam exequíveis, alguns consensos possíveis ao redor da avaliação da situação económica e financeira em que o país se move, se houvesse um mínimo de abdicação dos interesses partidários em nome do interesse nacional. Mas não. Cada um dos actores debita o papel que mais lhes rende e o drama tornou-se uma paródia pífia.
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De um lado, exibem-se ao público os números incontrolados da dívida externa, do défice, da fuga do investimento estrangeiro, do desemprego, do favoritismo concedido ao investimento de bens e serviços não transaccionáveis, da estagnação do crescimento económico, do aumento do número de pobres, do crescimento das desigualdades sociais; do outro, a confirmação da decisão de continuar a política de investimentos públicos de grande dimensão, nomeadamente mais autoestradas, o TGV , o novo aeroporto de lisboa.
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Se a construção do novo aeroporto merece um consenso relativamente alargado (alguma contestação subsiste sobretudo acerca da localização, Alcochete ou Portela) já o TGV e mais autoestradas estão longe de ser consensuais. À inabalável decisão do Governo opõe-se todos quantos clamam a inadequação destes grandes investimentos à necessidade de uma política económica que promova a actividade exportadora ou redutora das importações e as insuficiências evidentes de arcaboiço financeiro.
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Para além deste confronto frontal de opções de política económica pública, há insinuações de conivências perversas que só não abanam o regime porque a ética é um valor desprezado.
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O PR poderia, e deveria, impor um consenso político entre as principais forças políticas à volta das principais linhas de rumo para sair da crise estrutural em que o país está envolvido sem que a maioria dê, ainda, por isso. Lamentavelmente, deixou-se colocar em xeque. E não é vislumbrável que dela possa sair tão cedo. A menos que se observe um erro primário do adversário.
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artigos correlacionados

O EURO E NÓS

A strong euro is better than none at all

After British, Japanese, and American nail-biting about where their currencies are headed, eurozone leaders are the latest to join in the jeremiads. With the euro touching $1.50, an adviser to the French president, Nicolas Sarkozy, has called the euro’s strength a “disaster” for Europe’s industry.
European whining is more startling than hand-wringing elsewhere. The young currency has after all taken more than its a fair share of bullying as a weakling in the major currency club. From being worth $1.18 at its triumphant launch in 1999, it hit an embarrassing $0.83 less thant two years later, a fall of 30 per cent. It fell by an equally humiliating 20 and 33 per cent against sterling and the yen.
So one might have expected a celebration of the increased purchasing power the once-maligned euro is now putting in the pockets of consumers. That its strength reflects the weakness of the dollar and the pound – up respectively 19 and 29 per cent on its launch rate, it is merely back where it started against the yen – is a vindication of sorts of continental Europe’s economic model against American and British romance with finance.
Leaders worry about the pain borne by exporters. But the significance of that pain should not be overstated – half of eurozone members’ foreign trade is with other member countries, unaffected by the currency’s external strength.
A very good thing, too: a strong common currency is better than none at all. Before, dollar strength would set off currency chaos by creating incentives for beggar-thy-neighbour attempts at weakening national currencies. Not only was this self-defeating; it also softened exporters’ market discipline, since relying on policy action became easier than raising productivity.
Euro appreciation against dollar and sterling also makes the eurozone help rebalance the world economy, which its major members, through their role in the G20, claim to support. The eurozone, though close to balance with its small current account deficit, must take care not to swing into surplus as its more profligate members tighten their belts. In fact it would do the world a lot of good to increase the eurozone deficit as the US and UK move towards surplus.
Monetary policy is not without part in the rise. Despite low interest rates, a steep rise in portfolio flows into eurozone money markets shows investors find the carry trade attractive. Still, European Central Bank president Jean-Claude Trichet is right to focus on exchange rate
volatility, not absolute strength, as the main concern.

SHOOTING INTO THE CORNER





É um pénis. É um canhão. É Anish Kapoor contra o império.

Na primeira grande exposição de um artista vivo na Royal Academy de Londres, Anish Kapoor dispara 30 toneladas de cera, penetra cinco salas com um comboio vermelho, e deixa pilhas de excrementos.
O sexo é uma arma política. Nascido em Bombaim há 55 anos, Anish Kapoor está neste momento a bombardear as paredes da Royal Academy of Arts, em Londres, com um pénis gigante de onde saem oito quilos de cera vermelha a cada 20 minutos, "booooommmmm!", contra a parede.
Até 11 de Dezembro, quando a exposição terminar, terão sido ejaculadas 30 toneladas de cera.
E entretanto, uma grande massa também em cera vai penetrando lentamente cinco salas, para a frente e para trás, sem parar. A cada porta que atravessa, deixa bocados pastosos no mármore e no soalho.
Nunca, em 241 anos de vida, a Royal Academy tinha dado cinco salas a uma só obra, tal como nunca antes convidara um só artista.
Há algo de vingança pós-colonial nisto. O primeiro artista vivo com uma exposição na antiga sala de visitas do império é um filho das ex-colónias, e aproveita o convite para dar cabo do império.
De resto, entre críticos, curadores e inspiradores, todos aludem a falos, vulvas, vaginas, orifícios, penetrações, intestinos e matéria fecal.
E o resto será divertimento de feira, a fazer gato-sapato com a percepção que temos de nós próprios e do espaço.
Chamem-lhe "Anish Kapoor", é o nome próprio da exposição.
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continua
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Monday, October 26, 2009

O JOGO DA CABRA CEGA

A pedido da defesa, julgamento de António Preto suspenso até 10 de Novembro.
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O julgamento de António Preto, que hoje deveria ter início nas Varas Criminais de Lisboa, foi suspenso até 10 de Novembro.

NOVES FORA

Tomou posse o 18º.
Dentro de dias tomam posse os adjuntos.
A conjuntura requeria um governo de maioria mas, ineludivelmente, Sócrates, que não queria negociar uma coligação, armou uma ratoeira tosca às oposições e estas caíram nela como tordos tontos. A partir de reuniões de circunstância, o nomeado PM obteve deles o que queria: nenhum se dispôs a negociar fosse o que fosse e todos rejeitaram coligações com o PS. Qual deles vai conseguir agora, sem cair no ridículo de se expor à interpelação jocosa de Sócrates, reclamar das consequências da autosuficiência arrogante do PS em tempos de crise? Nenhum, a começar pelo principal opositor, o PSD. Tendo proclamado desde muito cedo que não estaria disponível para coligações, este PSD consentiu que o jogo passasse a decorrer junto da sua baliza quando a atitude inteligente teria sido chutar a bola para longe da sua grande área.
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A partir de agora, o Governo será um governo de gestão, tanto quanto as condicionantes externas o consentirem. Os professores verão as suas reivindicações geralmente atendidas, as corporações em geral voltarão a recuperar posições perdidas. Será um governo soft em tempos duros, se as reformas são difíceis com governos de maioria, porque toda a gente clama por mudanças desde que não lhe toquem nas bordas sequer, o governo minoritário vai esperar que as oposições cedam às tentações de o derrubar para reclamar a seguir uma maioria absoluta.
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Que estará sempre ao seu alcance desde que até lá a sua popularidade não se esvaia por uma veia reformista e o principal partido da oposição mantenha a garridice de um botequim às quatro da madrugada.

Sunday, October 25, 2009

A CRISE NÃO ACABOU

A crise acabou!

Não acabou nada.
A economia está em convalescença e uma recaída não pode ainda ser descartada. Além do mais, como bem sabe, em Portugal sofremos de crise dupla (a global e a nossa, privadamente nossa) e esta está longe de ter acabado. Enleou-se na outra mas vai perdurar para além dela.

"as causas acima referidas, em simultâneo, de grande dimensão e a alta velocidade, ameaçaram o fundamento do sistema: a confiança."

É muito evidente que se os depósitos em bancos são multiplicados por estes em créditos concedidos, com maturidades e riscos diferentes; se a confiança desaparece generalizadamente e os depositantes correm a querer levantar o seu dinheiro, o sistema afunda-se irremediavelmente. Podemos lamentar as vítimas, os mexilhões, mas o mais necessário é pensar como recuperar sustentadamente a confiança e vacinar o sistema.

Como é que isso se faz é que ainda ninguém sabe. Ou sabe mas não sabe como pôr a funcionar.

Há várias propostas. Destaco três.

Uma, de Ron Paul, o candidato libertário, derrotado, à nomeação republicana nas últimas presidenciais. Propõe a eliminação da Fed. Elimina-se a Fed e volte-se ao padrão ouro e acabam-se as crises financeiras e as guerras. "End the Fed" pode não ser levado muito a sério mas contém algumas afirmações que convém tomar em conta.

Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra propõe a separação dos bancos de investimento dos bancos de depósitos. A ideia não é nova, uma ideia parecida já fez o seu percurso nos EUA durante cerca de oito décadas, foi derrogada no tempo da administração Clinton, há quem veja nessa decisão o factor que germinou a crise.

A separação proposta por King foi imediatamente recusada pelo Primeiro Ministro Brown e pelo "chancellor of the exchequer" com o argumento de que tal representaria o fim da banca. (vd artigo de Martin Wolf no Financial Times de quarta-feira passada:"
Why curbing finance is hard to do"
Para Martin Wolf a solução, que ele duvida seja aceite, está em acabar com as operações de alavancagem sobre futuros:

"So long as we allow people to make leveraged bets on the future, breakdowns will occur. The division of finance into utility and casino cannot solve this problem. Only the end of leverage would do so. Do we want that? I doubt it."

Crise, etimologicamente, é também o acto de escolher. É em situações de crise que as rotas se alteram ou não. O 11 de Setembro poderia ter sido um momento de crise susceptível de alterar radicalmente os canais por onde passa o dinheiro do tráfico humano, da droga, das armas, das evasões fiscais. Não foi.
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Talvez desta crise não resulte também a criação da vacina necessária. Há sempre quem seja contra as vacinas até porque nem todas as vacinas são fiáveis. Um dia sê-lo-ão. E terão de passar pela imputação dos riscos a quem usufrui das vantagens de quem os assume. O “moral hazard” tem de ter os dias contados. Por enquanto não se sabe quando.
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Entretanto, problemática, sem solução à vista, continua a ser a nossa crise.

CASINOS APARTE

Why curbing finance is hard to do
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This is, in its essence, the question Mervyn King, governor of the Bank of England, was addressing in his controversial speech this week. His answer: break up the banks into “utilities” and “casinos” The former would be safe. The latter would live and die in the market.
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Both Alistair Darling, the UK’s chancellor of the exchequer, and Gordon Brown, the prime minister, promptly
slapped Mr King down, arguing that this division does not work: Northern Rock, a utility mortgage-lender, failed, while the collapse of Lehman Brothers, evidently a casino, led to the most expensive financial rescue yet. This, they argue, is a misdirected remedy: the distinction between utility and casino either cannot be drawn or, if it can, does not coincide with the distinction between what has to be safe and what need not be. Yet it is evident why this distinction is appealing. If we define the utility parts of the financial system narrowly, as management of the payment system, it works like clockwork. It is in the management of risk (and the advice given to its clients) that the financial system fails. The limited liability businesses at the heart of our credit-based monetary system have a tendency to mismanage risk (and uncertainty), with devastating results.
Over time, the policy response has been to cushion their creditors from the consequences. But this effort to make the system safer has made it ever more dangerous. Today, as a result of this last crisis, we see, at the core of the system, behemoths whose creditors know they are too significant to fail. As Mr King, remarked, “the massive support extended to the banking sector around the world, while necessary to avert economic disaster, has created possibly the biggest moral hazard in history. The ‘too important to fail’ problem is too important to ignore.”
Mr King raises the right issue. He is justified in doing so, even if it makes politicians uncomfortable. Indeed, he is justified, because it makes politicians uncomfortable. I agree with him, too, that the two alternatives are either to make institutions that are “too important to fail” too good to do so or to be able to fail any institution, even in a crisis. If we do not achieve one of these, further crises are inevitable.

Saturday, October 24, 2009

O QUE É ISTO?

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IDEOLOGIAS


Ideologias, cada qual toma a que quer, se o outro deixar.

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Tolentino de Mendonça - ... Você (José Saramago) tem uma visão parcial do cristianismo! Dentro cristianismo há muitos cristianismos.
J.S. - O rebanho que vai a Fátima é o que a Igreja quer!
T.M. - Não sejamos generalistas, porque entre os milhares de pessoas que vão a Fátima há-de haver quem vá com espírito de sinceridade e liberdade que nós nunca teremos. Não julguemos!
J.S. - Não toco na crença. O meu objectivo é outro: a Igreja como instituição de domínio e poder, como castradora de algumas virtudes naturais do homem.
T.M. - Mas essa é uma posição demasiado ideológica. A Igreja não é assim!
J.S. - Porquê demasiado ideológica? Sou o único que tem ideologia? Você não tem?
T.M.- Tenho a ideologia e a pretensão cristã.
J.S. - Então por que fala da minha?
....
T.M. - Aquelas declarações de Penafiel são declarações de intolerância.
J.S. - Não são nada!
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(Excertos da discussão entre Saramago e o padre e teólogo Tolentino de Almeida em casa do primeiro. Expresso de 24/10)

MOONSTRUCK

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TÍTULOS DO DIA

Friday, October 23, 2009

O PROTAGONISTA

Precisa a economia de um Ministério?
A pergunta não é descabida se considerarmos que a intervenção do Estado na economia passa por outros ministérios: das Obras Públicas, das Finanças, da Justiça, da Educação, do Ensino Superior, do Trabalho e Segurança Social, afinal não há nenhum ministério de cuja actuação não resulte uma influência mais ou menos decisiva sobre os factores de enquadramento económico em cada momento. O que é que sobra para o Ministério da Economia? A atribuição de subsídios e pouco mais. É pouco para justificar um Ministério mas o suficiente para agradar a alguns empresários subsídio-dependentes.
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Com a nomeação de Vieira da Silva para o cargo, que inclui ainda a inovação e o desenvolvimento, uma designação pleonástica já que não há desenvolvimento sem inovação nem crescimento conómico sem uma coisa e outra, numa altura em que se assiste ao encerramento quase diário de fábricas, à anemia do investimento, ao crescimento do desemprego, que pode ser imparável se não houver medidas que invertam a tendência, a passagem de VS para a Economia pode e tem de dar a um Ministério sem sentido uma reconfiguração no conjunto governamental de "pivot" da transformação da economia portuguesa.
E digo transformação porque a recuperação não é possível sem a alteração substancial dos factores de enquadramento que a têm condenado à estagnação nos últimos quinze anos.
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Pode depender então de um homem, por mais brilhante que seja, o milagre da transformação de um Ministério marginal num órgão fundamental da recuperação e do crescimento económico? Pode se a sua influência nas decisões governamentais for bastante para remover os factores de bloqueamento. Vieira da Silva tem peso político, já demonstrou capacidade para fazer mudar com tudo o que isso implica de capacidade de inovação e negociação. `
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À economia portuguesa falta nesta altura sobretudo investimento produtivo de bens e serviços transaccionáveis. Este tipo de investimento tem vindo sobretudo do estrangeiro e neste momento, em vez de afluir, deserta. As condições para tornar Portugal atractivo ao investimento estrangeiro são avaliáveis. Compete ao Ministério da Economia fazê-lo e, a partir daí, fazer aprovar as medidas que os outros ministérios têm de adoptar. Nenhum Instituto (ou Agência, o nome não importa) de Investimento Estrangeiro será bem sucedido se o produto (competitividade portuguesa) não for competitiva. Se a corrupção e o laxismo da justiça, que são factores repelentes do investimento, não forem reduzidos a um nível que não comprometa a competitividade portuguesa, não há investimento que seja seduzido ou, se o for, é à custa de cedências gravosas em outros factores.
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Terá Vieira da Silva capacidade para fazer impor a adopção de medidas que os seus pares têm de levar a cabo? Depende do PM, evidentemente, mas também dos seus pares. Lamentavelmente, quanto ao da Justiça, as dúvidas são, logo à partida, generalizadamente enormes.

Thursday, October 22, 2009

TÍTULOS DO DIA

O NOVO GOVERNO DE SÓCRATES
"Não vai ser fácil" governar"
CDS-PP reconhece algumas mudanças positivas no Governo
Carvalho da Silva considera que continuação de núcleo central "tem significado político"
Rui Pereira na Administração Interna é continuação de "trabalho corajoso"
AEP sublinha renovação do Governo e reforço da pasta da Economia
"Não há perspectiva de uma mudança de política"
Recondução de Teixeira e de Vieira da Silva é dar continuidade a trabalho "bem feito"
Jardim vê "esquadra portuguesa toda afundada" com Santos Silva na Defesa
Aguiar Branco considera que Vieira da Silva "lança boas expectativas" para Economia
FENPROF diz que Isabel Alçada não tem anti-corpos, mas espera para ver
AOFA saúda "peso político" do novo ministro da Defesa e espera mais diálogo
Associações ambientalistas dão "benefício da dúvida" a nova ministra do Ambiente
Escolha para a Segurança Social bem recebida pelos sindicatos
Manutenção da ministra da Saúde "aprovada"
Novo ministro da Agricultura "disponível" para "tarefa complexa"
Vieira da Silva fica na Economia e "rouba" o QREN
Anterior Presidente do ISEG substitui Mário Lino nas Obras Públicas
Os novos ministros do XVIII Governo Constitucional

CONVERSAS AO ALMOÇO

- Sócrates ainda não apresentou a lista do Governo porque deve estar com dificuldades em arranjar gente que aceite o frete; só mesmo se os for buscar ao partido, aí encontrará sempre quem queira.
- Não vai ser fácil, não. Sobretudo para algumas pastas...
- A educação, por exemplo.
- Para a educação tem de arranjar alguém capaz de remediar o que esta ministra estragou.
- Esta ministra, quanto mim, foi o melhor ministro da educação depois do 25 de Abril.
- Foi o pior!
- Então quem foi o melhor?
- O melhor não sei qual foi mas esta foi o pior.
- O pior ministro da educação é sempre o último até ser nomeado o próximo. Em Portugal houve 25 ministros da educação desde o 25 de Abril. Em média, estiveram sentados na cadeira menos de um ano e meio, o que dá uma ideia da dureza do assento. No mesmo período governaram Portugal 15 primeiro-ministros. Por cada primeiro-ministro, houve em média, 1,6 ministros da educação. E alguns aguentaram o pouco tempo que aguentaram porque não se mexeram. Se tivessem ousado uma mudança teriam caído ainda mais cedo.
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Quem será a próxima vítima ou o próximo banana?*
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*Isabel Alçada

O QUE É ISTO?

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Moon and Planets in the Morning

O JOGO DA CABRA CEGA

Autoridades britânicas já enviaram toda a documentação pedida sobre o caso Freeport
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As autoridades britânicas já enviaram todos os documentos solicitados pelo Ministério Público relativo ao caso Freeport, o que permitirá perceber o "rasto do dinheiro".
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Permitirá?
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Actualização: 24/10
Documentos do Freeport retidos em Londres

Wednesday, October 21, 2009

MAIS DO MESMO

Depois das eleições voltaram as notícias da crise*. A campanha eleitoral, até do lado das oposições, não serviu para debater saídas para os graves problemas estruturais com que o país se defronta mas para o tradicional berreiro de slogans batidos e cabeçudos de carnaval serôdio.
Na pesca de votos, o anzol da demagogia serve a todas as canas porque as causas são fracturantes e dispersam o cardume. Somos todos a favor do emprego, do crescimento económico, da melhoria das condições de vida das populações, da melhor repartição do rendimento, de mais justiça, de melhor educação, de melhores condições de saúde, de mais segurança, etc., somos, enfim, todos a favor de um mundo melhor. Quem é que não é?
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Há dias, o chefe (o chefe, não, o líder, porque até nas palavras somos a favor das melhores) da bancada parlamentar do CDS, interpelado pelos jornalistas a propósito das notícias que davam conta de continuar Portugal a escorregar pelo ranking abaixo do nível de riquesa e a aumentar o número de pobres, respondia o referido líder que os portugueses continuavam a ver degradadas as suas condições de vida em consequência das políticas económicas deste Governo. Interrogado o líder (o líder não, neste caso o coordenador) do bloco de esquerda acerca do tema, respondeu o costume: estamos pior que nunca, e isso era mais que previsível, atendendo às políticas de direita do Governo. O secretário-geral do PCP atribuiu também às políticas de direita as culpas do desastre. Finalmente, o maior partido da oposição acrescentou que o descalabro tem de atribuir-se às políticas erradas do Governo. O PS invocou a crise internacional: estava tudo a ir numa boa, mas a crise trocou-nos os planos. De um modo ou de outro, todos dizem o mesmo quando são Oposição e o inverso quando são Governo. Exceptuando, evidentemente, os que são sempre Oposição, que dizem sempre o mesmo.
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Quem é que pode viver com um salário mínimo de 450 euros, pagar renda de casa, os transportes, a alimentação, a luz, a água, o telefone para uma chamada ou outra? Ninguém, concordam todos. Até o Presidente da CIP, que entende que não deve o salário mínimo ser aumentado.
Ou, se for aumentado, avisa ele, contem com o aumento do desemprego porque grande parte das pequenas empresas (muitas das quais são exportadoras, não vendem produtos vendem minutos de trabalho) irá à falência por falta de capacidade de competitividade nos mercados onde têm de concorrer com chineses, indianos, paquistaneses, etc.
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Que dizem os partidos a isto? Calam-se, porque os trabalhadores atingidos são muitos mas os pequenos empresários também. Ou, quando não se calam, dão uma no cravo e outra na ferradura. Invocam que não se pode continuar a aceitar uma economia suportada na mão-de-obra barata e correm para os portões das fábricas que encerram a juntar às lágrimas dos despedidos as suas de crocodilo.
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Assistimos a um combate que não é ideológico, ou se o for, é no mau sentido, nem democrático: é um combate demagógico que só pode conduzir à continuação da queda.
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Delphi vai despedir 500 trabalhadores na unidade da Guarda
A Delphi e os sindicatos confirmam a intenção de reduzir para menos de metade o número de trabalhadores da unidade de cablagens na Guarda.
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Portugal é o país da União Europeia com maior desigualdade na distribuição de rendimentos, de acordo com um relatório apresentado quinta-feira em Bruxelas.
Segundo o Relatório Sobre a Situação Social na União Europeia, de 2007, os rendimentos são repartidos mais uniformemente nos Estados-membros que nos EUA, excepção feita a Portugal. Até países do Alargamento, como Polónia, Letónia e Lituânia estão ao nível dos EUA.
O nosso País é aquele em que o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é mais largo. O mesmo acontece entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, sendo que, em Portugal, quase um milhão de pessoas vivem com menos de dez euros por dia. Estamos a falar de 9% da população nacional quando nos restantes países da União a média é de apenas 5%.

SÉRAPHINE

Séraphine Louis

Tuesday, October 20, 2009

CONFUSÕES IDEOLÓGICAS


Ideologia, o que é?
Questão colocada aqui.

Tentei, há já algum tempo, abordar o tema, de forma breve, em dois comentários aqui e aqui.

Por ter lido, recentemente, From Socrates to Sartre: The Philosophic Quest de Thelma Z. Lavine, socorro-me agora fundamentalmente desta obra para confrontar os meus apontamentos de há mais de dois anos com o que escreve Thelma Z. Lavine a propósito deste conceito, hoje, ambíguo.
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Terá sido Destutt de Tracy (1754-1836), um aristocrata francês preso durante o Reino do Terror que se seguiu à Revolução Francesa, quem propôs ideologia como uma ciência fundada nos parâmetros do materialismo iluminista, prevalecente na época, e que atribui a origem das ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo. As ciências naturais, que Destutt de Tracy tinha abordado mas abandonado para recolher à prisão, onde as experimentações acabam mas o cérebro continua a funcionar, tinham-se desenvolvido e influenciado os filósofos (Voltaire, Diderot, d´Alambert, entre outros) a um ponto que comprometera irremediavelmente a superioridade divina do Rei e da Igreja e fizera resvalar a cabeça do monarca para a guilhotina e a filosofia dominante para a igualdade dos cidadãos. Exportada para o outro lado do Atlântico, forjara a independência dos EUA. A Revolução Francesa aconteceria poucos anos mais tarde.
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Para os filósofos (les philosophes, que na terminologia da época não eram profissionais, não eram académicos, portanto) durante toda a história da humanidade os grupos dominantes (a Igreja, o Estado) tinham utilizado ideias filosóficas e religiosas para promover os seus próprios interesses.

Ideologia, enquanto conceito fundado no conflito de interesses de classes viria a ser retomado por Karl Marx, e significava, então, o conjunto de ideias convincentes mas ilusórias através das quais uma sociedade dominava o pensamento de outra, com o objectivo de a explorar: a classe capitalista dominava o pensamento dos trabalhadores.

Para Marx, (From Socrates to Sartre: The Philosophic Quest , pgs 295/296, 318) "uma ideologia é um sistema de ideias determinado pelo conflito de classes que reflecte e promove os interesses das classes dominantes". "Todas as invocações de verdade filosóficas, religiosas, jurídicas, políticas, morais, feitas ao longo da história são, para Marx, ideologias)". "Marx entende a história cultural da humanidade como a história da ideologia, de religiões persuasivas, de filosofias e sistemas legais, que se pretendem universal e eternamente verdadeiros mas que representam apenas a classe dominante e a legitimação da sua autoridade e do seu poder".
"Assim, por exemplo, a teoria política da ascenção da burguesia francesa, apelando para a liberdade e a igualdade, que aparentemente benificiaria toda humanidade, realmente garantiu primordialmente à classe burguesa o poder que lhe faltava".
"A perspectiva marxista da teoria da ideologia prevaleceu na vida intectual de todo o séc. XX e atingiu todos os sectores culturais - romances, filmes, revistas, nos mass media, nas organizações sociais, nas universidades, nas publicações académicas e técnicas. Todos estes elementos culturais são hoje geralmente vistos como ligados ao interesses de um qualquer grupo social identificável. Por exemplo, quando subscrevemos a assinatura de uma revista pensamos imediatamente nos pontos de vista do grupo social que aquela revista representa."
"Não há saída para a ratoeira ideológica? Não é o marxismo também uma ideologia que falsifica os factos da realidade social em benefício dos interesses do proletariado?"
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Ideologia é, portanto, o conceito suporte da doutrina marxista, entendido como o veículo de dominação de uma classe sobre outra, dominação que o marxismo pretende eliminar promovendo a revolução proletária. Entre aquele veículo (ideologia, enquanto sistema de ideias perversas) e a forma de o combater (doutrina, enquanto sistema de ideias libertadoras) a diferença é maniqueísta, depende do observador.
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Hoje, nas sociedades democráticas, onde a liberdade de expressão dá completo consentimento total à discussão das ideias, o conceito de ideologia no sentido marxista deixou de fazer sentido. Não se extinguiram as diferenças entre classes dominantes e dominadas que agora se mantêm por meios mais subtis. Segundo a concepção marxista, uma ideologia é um anátema.
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E, no entanto, o apagamento das lutas ideológicas a seguir à implosão da União Soviética foi geralmente lamentado porque o conceito sofreu uma involução: de arma de opressão evoluiu para emblema de posicionamento político social, económico, moral.
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Há dias, Marcelo Rebelo de Sousa reivindicava para o PSD (ou PPD/PSD) uma ideologia própria, admitindo que as divergências correspondem a sensibilidades. Acrescentava que no PS, mais do que sensibilidades, há divergências ideológicas profundas. O que vale por dizer que, onde é difícil detectar um filão ideológico diferenciado, MRS vê pelo menos três.
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Fora destas ocasiões, em que cada um procura demarcar terreno ideológico próprio, ningém fala em ideologias nem diz o que são. Todos falam em programas.
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As ideologias, até os chineses já deixaram de saber o que são.
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Ideologia: "sistema de ideias, de opiniões que constituem uma doutrina política ou social, e que inspira os actos de um governo, de um partido, de uma classe social, etc. : Seguramente, uma das marcas mais nítidas de um homem de acção, é a tendência a não se deixar submergir em teorias, a desvalorizar as ideologias (Lanson). Em sentido pejorativo: doutrina fundada sobre ideias sem qualquer adesão à realidade que procuram um ideal irrealizável. " (enc. Larousse)

O QUE É ISTO?

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Monday, October 19, 2009

O JOGO DA CABRA CEGA

António Martins considera acusações “falsas” e “lamenta” postura de Noronha do Nascimento
“Lamento profundamente que o presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não tenha tido uma posição institucional condizente com a quarta figura do Estado que invoca e, pelo contrário, pareça ter uma postura de guerrilheiro ou de defensor de quem no associativismo dos juízes tem perdido as eleições”, declarou à agência Lusa o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). António Martins reagia ao editorial do último boletim informativo do CSM em que Noronha do Nascimento entende que a problemática da responsabilização dos juízes por erro judiciário foi “exponenciada”, nomeadamente, pela ASJP, porque estavam à porta três eleições quase seguidas: legislativas, para a presidência do STJ e para o CSM. O juiz conselheiro Noronha do Nascimento criticou também a ASJP por publicitar nas vésperas das legislativas um estudo que já tinha em seu poder há dois anos, acerca das más condições em que funcionavam vários tribunais. Quanto à acusação feita à ASJP relacionada com as eleições, o juiz desembargador António Martins considerou que é “absolutamente injusta e falsa”.

ENVIADO ESPECIAL


Também faço parte daqueles que entendem que a RDP dedica ao futebol mais tempo de antena do que seria normal se o futebol não fosse mais importante para os portugueses do que qualquer outra actividade económica, cultural, política, religiosa. Como é, e a RDP também incentiva a inclinação, percebe-se o destaque mas contesto o exagero.

Vem isto a propósito do que ouvi esta manhã, a propósito da deslocação a Zurique de um "enviado especial" para assistir ao sorteio do play-off com a equipa portuguesa metida no primeiro pote à espera do adversário no segundo. Coisa para 15 minutos, se tanto, adiantava o locutor de serviço.

E a minha questão é esta: O que é que vai um "enviado especial" fazer a Zurique que não possa fazer em Lisboa? Com a transmissão feita em directo por tantos canais de televisão que especialidade tem o enviado para justificar os custos de deslocação envolvidos?

Como bem sabe, este é apenas um exemplo entre muitíssimos, tanto na Antena 1 como na 2, e, já agora, na RTP cada vez mais numerosa, de gastos que só são realizados porque são suportados pelos contribuintes forçados.

São peanuts? Talvez. Junte-os todos, em todos os locais onde são geridos os dinheiros públicos, e verá como a soma ajuda a submergir as contas públicas e não são senão reflexo do relaxamento geral que provoca estragos maiores no orçamento do Estado e, consequentemente, das famílias.

Salvo o do “enviado especial”, evidentemente.

Sunday, October 18, 2009

CAIM COITADO

Saramago: "A Bíblia é um manual de maus costumes"
José Saramago afirmou que “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”. Sobre o livro Caim, que é apresentado hoje a nível mundial, o escritor defendeu que “na Igreja Católica não vai causar problemas porque os católicos não lêem a Bíblia". Mas admitiu que poderá gerar reacções entre os judeus
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Saramago decidiu voltar a tresler a Bíblia construindo uma história a que chamou romance, no seu estilo de contar histórias como quem conversa interminavelmente com o leitor, a partir de uma peripécia, divina para os fiéis ao Antigo Testamento. O sacrilégio detonou, como seria de esperar, a repulsa da Conferência Episcopal Portuguesa mas alguma compreensão, também esperável, por parte do Bispo das Forças Armadas e de Segurança, Dom Januário Torgal.
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Os argumentos aduzidos por Saramago em defesa das suas teses, a latere do livro, não são originais nem subtis mas são, por isso mesmo, irrebatíveis se forem discutidas no plano em que o autor se coloca: a do autor ateu, e não agnóstico, que subverte pela razão o que milhões e milhões de crentes aprenderam a recitar sem se interrogarem.
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A leitura de "Caim" de Saramago, que ainda só iniciei mas de que se percebe a intenção desde o princípio, parece-se, mais do que com um romance, com uma anedota sacrílega longa mas bem contada.
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Melhor que a da "Viagem do Elefante".
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O JOGO DA CABRA CEGA


Apesar da burla, o Estado dificilmente conseguirá anular compra dos submarinos
Há pouco mais de duas semanas, o Ministério Público acusou sete gestores portugueses e três alemães da Man Ferrostaal de burla qualificada e falsificação de documentos.

Saturday, October 17, 2009

CONVERSAS AO ALMOÇO

- E que me dizes a esta do JDP ter tomado posse e, passados quinze minutos, ter renunciado ao cargo? Ao que parece só aceitou ser deputado para ser eleito presidente da AR no caso do partido dele ganhar as eleições.
- Acho lamentável. Mas pode haver razões de saúde, que são muito respeitáveis.
- Qual quê, segundo o Expresso o que o tipo queria era ser presidente da AR.
- Se for assim é condenável.
- E como é que eles podem encontrar um líder se nem são capazes de se entender acerca do líder parlamentar?
- Vai ser difícil, vai. Mas o que me dizes acerca da notícia do Secretário de Estado da Justiça ter comprado a um construtor civil um iate por 130 mil euros, que em novo custa 350 mil?
- Pode ter um pai rico.
- Pois pode mas diz ter pedido um empréstimo bancário a nove anos.
- E por que não? Há tanta gente com iates. Vais ali e vês a quantidade de iates atracados na marina. Só aqui da terra há três. O J. tem um, F. tem outro, S. tem outro. Hoje, toda a gente tem um.

Não sou gente, e pensava que era.

O JOGO DA CABRA CEGA

O ainda secretário de Estado da Justiça e porta-voz do Partido Socialista (PS), João Tiago Silveira, tem um barco novo que custou 130 mil euros. Chama-se «Gianzo», pertenceu ao empresário do sector da construção civil José Guilherme (dono da Tecnovia) e é considerado o BMW dos iates, noticia o «Correio da Manhã».
Esta marca de barcos, que é uma das mais caras do mundo, é fabricada nos estaleiros do construtor italiano Campiere del Pardo. Um barco deste construtor, novo e totalmente equipado, pode custar mais de 350 mil euros.
João Tiago Silveira explicou ao «Correio da Manhã» que para adquirir a embarcação contraiu um empréstimo «que será pago em 9 anos».
João Tiago Silveira aprendeu a velejar aos seis anos e desde então tem paixão pelo mar. O barco em segunda mão está em Alcântara.

GOSTO DE FUTEBOL MAS NÃO DEMASIADO

Caro L.,

Antes de mais, obrigado pelo teu comentário.
Vamos por partes:
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"dei prioridade ao futebol"
Eu, como diz o nosso amigo Humberto, sou um caso atípico:O futebol nunca tem prioridade sobre as opiniões, ainda que pouco relevantes, dos meus amigos.
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"para o grande público, a discussão dos programas não tem eficácia nenhuma"
Não vejo que haja grande diferença: é por não ter interesse que não tem eficácia.
Estamos a ver a questão sob dois planos diferentes: Há, evidentemente, muita gente, provavelmente a grande maioria, que se está borrifando nos programas e vota contra quem está no poder ou sempre no seu partido. Parece que há cerca de 50% de eleitores que votam sempre no mesmo partido. O que não invalida que não haja alguns (admitamos que poucos) que votam segundo as propostas dos partidos.
Mas a questão, quanto a mim, não se põe em termos de eficácia ou não, essa será a perspectiva partidária (contam os fins não importando os meios) mas a minha perspectiva enquanto cidadão que enjeita totalmente ser tratado como gebo. Isto é, que recusa votar numa cara sem saber o que pensa o cérebro que é suposto estar lá dentro.
Daí que conteste a afirmação que não tem interesse a discussão pública durante a campanha eleitoral de assuntos como, por exemplo, o rendimento de inserção social.
Quanto a mim, não só interessa como a ausência de discussão sugere que somos todos incapazes de reflectir.
Dou-te um exemplo: Em Sintra, da candidata do PS apenas conheci o outdoor com a cara da fulana e a mensagem "Vontade de mudança" ou coisa do género.
Sei que os fiéis do PS lhe deram o voto. Eu, que não sou fiel por uma questão de fé, como é que poderia votar nela sem saber o que é que ela propunha para Sintra?
Se ela tivesse aproveitado o outdoor para alinhar três ou quatro ideias eu ficaria minimamente informado. Mas não senhor: propunha mudar sem dizer o quê.
Este tipo de slogans faz-me recordar um anúncio de há muitos anos que reclamava "Toddy contém"! Toddy contém porque contem mesmo!"
O quê? o anúncio não dizia, mas havia muita gente que comprava Toddy. Eu não, porque sou atípico.
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"O eleitor, em geral, fez as suas opções de natureza ideológica..."
Caro L., repara: Mais de 75% do eleitorado votou PS ou PSD. Que ideologia perseguiram os que votaram num caso e noutro?Que diferenças ideológicas marcantes existem entre o PS e PSD?
Mesmo dos que votam PCP, o único partido que persiste numa ideologia que se percebe, há uma larga maioria que vota por uma questão de fé. O que é que percebem de ideologia comunista os eleitores do Alentejo que ainda transportam as marcas de muitos anos de marginalidade numa sociedade de feudalismo serôdio? Nada, a não ser uma revolta antiga que eu não vivi mas percebo.
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"Estás ou não de acordo que o voto é, primeiro que tudo, uma opção ideológica?"
Por aquilo que referi, 75% votam PS ou PSD, sem saberem que diferenças ideológicas marcantes os distinguem. Tu sabes? Eu não sei.
No PCP votam muitos por razões que não são ideológicas porque se o soubessem talvez já tivessem alterado sentido de voto. Votam porque o PCP apareceu, clandestinamente, ao lado deles quando eles eram desprezados e alguns perseguidos.
No BE, esquerda caviar, votam os dissidentes que estão contra mas são incapazes de construir seja o que for. Eis a sua ideologia: abaixo o sistema, acima a demagogia.
No CDS/PP votam os partidários do tempo do velho senhor e alguns tresmalhados do PSD (ou vice versa).Têm uma ideologia? Têm um líder que terá todas as ideologias que forem precisas para crescer.
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"Tu póprio confessaste que ao longo de todos estes anos, embora não tenhas votado sempre nos mesmos, nunca dispersaste muito o teu voto pelo espectro partidário."
Pois não. Mas não por razões ideológicas. Voto naqueles que prosseguem as suas práticas políticas em conformidade com os valores da democracia, prevalecentes na generalidade dos países ocidentais deste que me conheço, com raras excepções, uma das quais, lamentavelmente, ocorreu em Portugal até 25/4/1974.
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"E não é por razões de fé mas sim por convicção ideológica"
Eu apenas tenho uma convicção: a de que o regime democrático, como dizia o outro, é o menos mau de todos os regimes.
Mas mudarei de ideias se me demonstrarem o contrário. Todas as ideologias são, naturalmente, antidemocráticas, porque se alicerçam em convicções inabaláveis.
Como na religião. Como no futebol, aliás.