Tuesday, August 29, 2006

SEX IN BLACK

O corporativismo deveria ter desaparecido do nosso território há 32 anos mas, qual escalracho que deita raízes fundas e reverdece quando menos se espera, está ainda aí impante ao virar de cada esquina. Assume formas diversas, uma das quais é o tique do burocrata. Não é mentalidade, não. Mentalidade pressupõe algum discernimento ou alguma fé. O tique é automático e deverá estar gravado algures no ADN.

O burocrata em Portugal tinha um elemento distintivo externo: os manguitos. Obrigado, por dever de ofício, a vestir fato completo em cima de camisa branca e gravata, como não ganhava o suficiente para renovar a farpela coçada, usava manguitos.

O manguito e o tal tique caracterizavam o burocrata à nossa moda.

Entretanto o mundo mudou e, por tabela, hoje quem ganha melhor dispensa os manguitos, usa roupa de marca; quem ganha pior anda em mangas de camisa ou usa roupa de marca comprada nas feiras.

Há dias fomos a um notário numa cidade próxima de Lisboa.

Os notários foram privatizados. Não sei se todos. Aquele deve ter sido, a julgar pelo facto das instalações anteriores, no palácio de justiça local, terem sido abandonadas e os serviços de notariado transferidos para um local menos nobre, e mais encolhido, nas proximidades do outro.

Convocaram-nos para as 9,30, começámos a ser atendidos duas horas depois.

Tratava-se de uma escritura de compra e venda. Quando entrámos na sala de formalização de contratos deparámo-nos com um trio formado por uma dactilógrafa (ou seria assistente administrativa? ou seria técnica administrativa? ou seria técnica de notariado?), a senhora notária e o senhor representante da Caixa Geral de Depósitos, uma vez que a escritura de compra e venda se fazia, como é hábito, em simultâneo com a de hipoteca por empréstimo bancário, neste caso da CGD.

Nenhum pedido de desculpas foi apresentado pelo atraso com fomos recebidos. Primeiro sintoma do tique: apesar de privatizado, o notário mantém a postura de funcionário público que vê à sua frente um dependente paciente e não um cliente. De modo que, segundo o tique, não há lugar a pedido de desculpas.

A dactilógrafa, roliçazinha na casa dos vinte, vestia uma camisola e calças pretas, destacando-se-lhe bem em cima do peito entre as saliências dos mamilos, e em letras douradas cintilantes, o reclame “SEX IN BLACK”.

A senhora notária, mais esbelta, na casa dos trinta a chegar aos quarenta, vestia-se, igualmente totalmente de negro, da marca GUESS, com o G impresso de um lado da abertura da blusa e o resto do outro, a letras garrafais de ouro velho.

O senhor representante da CGD, na casa dos quarenta a virar para os cinquenta, vestia igualmente camisa preta, calça preta, relógio de pulso preto, com braçadeira metálica preta. Nele, só a gravata preta tinha um subtil apontamento a lilás.

Feitas as correcções e lidos os contratos, tarefas que exigiram quase uma hora, a senhora notária pede ao vendedor o original da licença de habitação.

Não trouxe. Não me disseram que seria necessário. Todos os documentos que foram solicitados foram entregues, incluindo uma fotocópia da licença de habitação, disse o vendedor.

Sendo assim, disse a notária, não posso fazer a escritura. Não posso deixar de ver o original do documento.

Seguiram-se propostas que pudessem ultrapassar o impasse, mas nada. A senhora notária, imperial, não arredava pé. A escritura teria de ser realizada em outro dia em que houvesse vaga nas agendas da senhora notária e do senhor representante da banca.

Pois bem, disse o vendedor, nesse caso faremos a escritura em outro local, em Lisboa ou mais próximo de Lisboa.

Foi só ao ouvir esta alternativa que a senhora notária, furiosa, percebeu que a concorrência existe e se dispôs a resolver o problema. Ainda que muito mais zangada quando foi alertada para o facto de ter pedido um documento, que tinha como imprescindível para a realização do acto, só duas horas depois da hora para a qual o havia marcado e só após a realização de todas as correcções e leituras da praxe. Tivesse ela começado por aí e teria havido tempo de sobra para o vendedor ir buscar o documento fatal.

O burocrata nunca reconhece o erro nem pede desculpas pelos atrasos.

Tiques que ficam mesmo quando se despem os manguitos e o trio se veste em sinfonia.

Monday, August 28, 2006

CIMENTO & CONHECIMENTO



A nossa terra é certamente o sítio dilecto de Frei Tomás, onde as pregações se sentam na bancada oposta dos factos.

Parece que toda a gente está de acordo com o lema: mais conhecimento e menos cimento. O Governo actual fez desta dicotomia de objectivos um dos seus cavalos de batalha prometendo podar no primeiro e enxertar no segundo. Ao fim de mais de um ano de evolução dos propósitos, os resultados não são animadores.

Questionados sobre se “o Governo está a promover um verdadeiro choque tecnológico”, dos 12 magníficos que fazem parte do barómetro do “Expresso” (Caderno de Economia de 5/12), 6 responderam negativamente ou andaram por lá perto, 3 não responderam por estarem de férias, e apenas 2 responderam favoravelmente. Por outro lado, as propostas governamentais mais discutidas na praça pública enchiam-se de cimento: a Ota e o TGV.

Propaganda política aparte, e descontados os enviesamentos partidários das análises dos comentadores, o que se constata, na realidade, é que tanto no caso do cimento como no do conhecimento, em Portugal, ambos os sectores de actividade continuam a acumular stocks, o mesmo é dizer que a produção é superior à procura. Comparação chocante e conclusão discutível, bem sei, mas são a elas que nos conduzem imperturbavelmente os números. Se não, vejamos:

Segundo notícias recentes (“Expresso” de 19/8) “o número de desempregados com licenciatura subiu 14% em Julho, atingindo 38 mil inscritos nos Centros de Emprego, o que representa 9% do total de desempregados registados. E isto sucede quando as taxas de desemprego global mostram uma tendência ligeiramente decrescente, ainda que, porventura, sazonal. Se a estes números juntarmos os sub ocupados e os sobre qualificados para as funções que desempenham, aquele número deve mais do que duplicar. Excepções conhecidas, só os casos de Medicina e Enfermagem, provocadas pelos interesses vesgos corporativos, no primeiro caso, e por indução dos primeiros, no segundo.

No mesmo semanário, o professor universitário J. Bidarra alerta para “o declínio das universidades” portuguesas, fundamentalmente, segundo ele, devido à contracção que está a observar-se na “produção” universitária, em consequência i) da redução do número de cursos superiores (o Ministério determinou o encerramento de 400 licenciaturas com menos de 20 alunos), ii) razões demográficas. Consequências à vista: a redução do número de docentes e a fuga de muitas capacidades para universidades estrangeiras.

No “Público” de hoje, 22/8: “Fenprof diz que 35 mil candidatos a um contrato numa escola terão ficado sem lugar”.

Estamos, portanto, perante contradições insanáveis dentro do sistema actual: por um lado, produzem-se competências que não têm saídas profissionais, por outro lado, esse excesso ameaça de desemprego os profissionais que as formam, ao mesmo tempo que, invoca-se, o país não progride porque não dispõe de capacidades suficientes para sustentar um modelo de crescimento mais exigente de conhecimentos. As despesas com a educação, em percentagem do PIB, situam-se acima da média europeia ao mesmo tempo que os resultados continuam desanimadores. No secundário, onde o problema da educação é mais crítico que no universitário, porque é aquele nível que se pode transformar o país do ponto de vista educativo, os resultados continuam a ser desanimadores. O abandono escolar mantém-se elevado ao mesmo tempo que sobram os professores.

Continua, por outro lado, o tam-tam antigo de que o país necessita de mais tecnologia mas as ofertas de emprego saltam em todo o lado do lado das vendas e de outras funções que dispensam bem essa coisa, para muitos bizarra, da matemática. Aliás, para muita gente chique acha que é de bom tom abominar as matemáticas.

Também há quem continue a reclamar que temos poucos doutores, daqueles a sério. No entanto os doutores não encontram saídas profissionais fora das universidades, mas nestas os quadros estão completos e ninguém arranca dali enquanto não passar à reforma. Além do mais, o factor endogénico, típico da universidade portuguesa, sobretudo nas mais antigas, que coopta amigos e afilhados, está a obrigar muitos doutorados em áreas científicas, aquelas em que é suposto termos maior deficit, a emigrar.

Do lado do cimento, o mal amado, só há boas notícias.

Apesar dos sintomas de rejeição anunciados pelo Governo, os temas mais discutidos como eventuais motores do crescimento a médio e longo prazo, têm sido a Ota e o TGV. E a economia, drogada com as actividades da construção civil a todos os níveis, não pode prescindir das doses habituais sob pena de entrar em coma.

A banca, à falta de outras aplicações louváveis, pressiona o público no sentido de comprar mais a crédito coisas de que nem sempre necessita e a investir em imobiliário. Temos o maior número de habitações por família, estamos francamente acima da média da União Europeia (76% contra 63%) enquanto detentores de casa própria. O que só não é uma vantagem evidente porque muita gente continua a habitar espaços degradados.

A média, evidentemente, resulta de muito investimento em segundas e terceiras residências e em aplicações meramente especulativas.
A especulação imobiliária, que não augura nada de bom, deveria ser desanimada através de políticas que privilegiassem a recuperação do parque habitacional actual, dando-se toda a prioridade à apreciação desses projectos e isentando-os de custos, ao mesmo tempo que deveriam ser onerados os custos de apreciação camarária dos projectos para construção nova.

Uma das mais badaladas saídas para a resolução da degradação do parque habitacional e da falta de habitação para muitos jovens é a lei das rendas. Mas é uma falácia.

Os novos senhorios são os bancos e por eles passam, fundamentalmente, os arrendamentos actuais. Neste sentido, e não parece que vá acontecer outro, o mercado do arrendamento existe mas não resolve os problemas que decorrem de um crescimento do stock de habitações para venda, ou especulativamente expectantes, e da falta de habitação minimamente condigna para muitos.

O cimento e o conhecimento não são antagónicos, contrariamente ao que, demagogicamente, muitos querem fazer crer. Mas ambos necessitam de políticas que forcem o ajustamento da oferta à procura, melhorando sobretudo a qualidade da oferta.

Mas tudo continuará na mesma se: o ensino universitário público continuar a ser tendencialmente gratuito, se as escolas do ensino secundário continuarem em quase auto gestão e se não foram adoptadas medidas que contrariem a prosperidade dos investimentos especulativos e o abandono dos projectos produtivos.


Tuesday, August 22, 2006

PODERIO AUTÁRQUICO

(Comentário a um post no "Canhoto" por Adão e Silva, "Política manietada", em 8/8)
Muito se tem dito e escrito já acerca das feridas expostas do poder autárquico.Geralmente, contudo, e como é frequente em Portugal, a crónica é uma lamentação crónica.Pessoalmente, e talvez por defeito de ofício, sou mais propenso a tentar descortinar as causas das coisas incorrectas e pensar nas formas que poderão corrigi-las.Evidentemente que, não sendo movido por razões partidárias, os caminhos que perspectivo são normalmente partidariamente inaceitáveis.
No caso em questão, dos assessores municipais, aquilo que em primeiro lugar me ocorre é o seguinte: os assessores são contratados e pagos como contrapartida da ajuda partidária que receberam. Não há outra razão plausível. A gestão autárquica não tem especificidades que, neste aspecto, a distingam da gestão de qualquer outra entidade que gere recursos.Tem uma particularidade: Os vereadores, também eles propostos nas listas dos partidos, na maioria dos casos, por razões de fidelidade partidária não sabem, ou pouco sabem, muitas vezes, daquilo que têm de gerir. O que sugere a pergunta seguinte: porque razão são alguns senhores vereadores executivos?
O que está errado é a forma de "governance" municipal. Ao assumirem os Vereadores as funções que deveriam pertencer aos Directores (profissionais, supostamente competentes, se não deveriam ser substituidos) os Vereadores tornam-se, muitas vezes comparsas ou cúmplices dos desmandos que se têm observado na utilização dos dinheiros públicos.
A Vereação deveria ser não executiva e não remunerada. Competir-lhe-ia aprovar os planos de médio e longo prazos e os planos e orçamentos anuais, apresentados pela Câmara, constituida por um Presidente eleito e pelos Directores dos Departamentos, e controlar a sua execução. Também deveria ser alterada, radicalmente, a forma de financiamento das despesas municipais: como já tem sido referido por outros, os munícipios deveriam ser responsabilizados pela liquição e cobrança de uma parte importante dos impostos e taxas que fazem parte das suas receitas. A actual proposta de lhes conceder a possibilidade de reduzirem o IRS aos seus residentes não terá impacto significativo, quanto ao que se pretende e, o que é mais grave, continua a não responsabilizar, perante os munícipes, as arbitrariedades, caprichos, interesses, falta de cultura, etc. de muitos edis.
10/8/06 19:36

Monday, August 21, 2006

CIÊNCIA & PACIÊNCIA ILIMITADA

(Comentário ao post "CIÊNCIA ECONÓMICA?" colocado no "A destreza das dúvidas"
http://aguiarconraria.blogsome.com


Leio todo este manancial e quase fico de lado, logo de madrugada. Depois recupero e sinto-me gratificado por ter aprendido alguma coisa. Na minha idade, estas coisas contam muito. Sentimo-nos desafiados a não adormecer.

Foi o que me aconteceu.

A mim, sempre me causou alguma confusão o facto de os juristas se reclamarem serem versados em ciências jurídicas, sabido que o direito é o terreno mais escorregadio que pisar se pode. Depois, a Ciência é tão apelativa que, hoje, não há actividade profissional que não suscite um doutoramento. Em artes plásticas, por exemplo. Ou em piano. E porque não em cozinhar bacalhau? Há tempos apareceu na revista do “Expresso” um extenso artigo dedicado a uma investigadora portuguesa que, na Dinamarca, dedicava o seu tempo a uma tese sobre o assunto.

De modo que, á boa maneira de Sócrates, o Caturra, desafiei-me para uns comentários a este post carregado de erudição.

E fui-me ao dicionário, do Houaiss, perdoem a citaçãosinha. E deparei-me com um estendal, que não vou transcrever.

Fiquei a saber que o vocábulo nos entrou, portas adentro, por volta de 1370, não sei por que porta de entrada, mas ainda não tinha acontecido Aljubarrota.
Muito antes, portanto, de ter nascido o célebre Alberto, o Newton e mesmo o Galileo. Esta é que é a verdade pura e dura.

Na primeira entrada do citado léxico, Ciência é o “conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa” e, mais a diante, ficamos também a saber que, por exemplo, ciência penitenciária é o “estudo das execuções das penas, das condições em que são executadas as penas”.

É uma pena, concordo. Mas Ciência, mesmo com C grande, é isto.

Comum a todas as ciências parece que só mesmo a paciência. Ilimitada, claro.

Há debates que começam tortos. O da Economia enquanto Ciência foi um deles. Mas é um debate que me interessa e para o qual costumo ter pouco feed-back. Aproveito a disponibilidade do random para discutir o assunto.
O texto do
random pode parecer um pouco descontextualizado. Quem quiser juntar as pontas terá de ir ver os comentários a esta entrada do João Miranda. Aviso já que é uma entrada que conta com mais de 200 comentários. Os primeiros 100, tal como a própria entrada do João Miranda, são, possivelmente, reacções excessivas a uma entrada infeliz.
Dito isto, penso que o texto do
random vale por si mesmo, sem a bengala da contextualização. Publico a opinião dele:
Geralmente não discuto ciência na blogosfera, uma vez que já o faço no dia-a-dia no trabalho, aproveitando o mundo virtual para conversar de coisas diferentes. Contudo gosto de verificar se as minhas ideias sobre as outras disciplinas - neste caso a Economia - estão correctas ou não. Para isso é preciso encontrar pessoas que não só dominem do assunto, mas que estejam dispostas a argumentar com paciência.


Antes de começar gostaria de chamar a atenção que eu evito citações quando tento argumentar. Agradecia que o evitassem também. Prefiro ouvir um argumento personalizado do que uma citação de Popper, por exemplo.Vamos por pontos.Em primeiro lugar uma breve nota ao Luís Oliveira e depois umas breves considerações sobre Epistemologia. Finalmente abordo a questão a que nos propomos. I.Luís Oliveira tem razão que é pouco relevante saber se a Economia é de facto uma Ciência ou não, contudo isto não impede de discutirmos a Ciência que a Economia é (ou não é). Assim aprendemos um bocado mais sobre Economia e Ciência em geral. Para isto devemos primeiro definir Ciência e depois ver se a Economia se encaixa nesta definição. Em caso positivo então devemos reflectir que tipo de Ciência ela é. Nota: Vou dar uma definição pessoal de Ciência que julgo se enquadrar na definição "clássica" (i.e de Ciências naturais).II. Considerações gerais:As Ciências têm duas "vertentes"; a Ciência teórica e a Ciência experimental. Isto não é por acaso. De facto, a Ciência começou por ser uma Ciência experimental (com Galileu, por exemplo). Mais tarde Newton fundou a Ciência moderna a qual foi dar uma base teórica (matemática e de primeiros princípios) ao que já se sabia graças a Galileu, Kepler e outros, além de explicar e prever novos fenómenos. A Ciência - aliás como tudo o resto - é-o porque obedece a certos "critérios". Os dois critérios que eu dei no meu comentário no Blasfémias (a existência de um objecto de estudo e de método científico) são os mais evidentes e são prática comum do cientista. Tão comum que por vezes nos esquecemos desse "pano de fundo". Inicialmente a Ciência começou por explicar fenómenos "naturais"; movimentos de planetas, estrutura química, etc. No século XX algo de novo acontece. Há uma revolução na Ciência. O maior génio de sempre conseguiu coinciliar duas áreas da física aparentemente inconciliáveis; o electromagnetismo e a mecânica. Ao fazê-lo descobriu que os conceitos de espaço e tempo tinham de ser alterados. Quando em 1919 (penso ter sido este o ano) o grande astrónomo Eddington corrobora o desvio da luz devido à curvatura no tecido espacio-temporal induzida pela massa do Sol, o jovem Albert Einstein aparece nas capas de todos os grandes jornais "Génio derruba Newton" e fica internacionalmente conhecido (já o era no meio académico) da noite para o dia.Estou a contar este episódio por uma razão muito importante e que escapou ao próprio Popper (o qual de facto nada disse que não banalidades): a Ciência NÃO É feita de "saltos" revolucionários que invalidam a teoria anterior.Pensar o oposto (como Popper pensava) é talvez o maior mito que existe entre leigos. Sobrevive ainda nos dias de hoje! Muito me espanta, ou talvez não. É uma simplificação de algo que as pessoas não entendem realmente. Contudo, por vezes, as simplificações tornam-se simplicismos que dão uma visão errada sobre um determinado assunto; este caso que referi é um exemplo típico.A este respeito, a teoria da Relatividade Geral de Einstein é exemplar. A teoria de Einstein veio trazer um novo paradigma da Ciência. Foi um salto gigantesco sim. Uma revolução. No entanto, não significou que a teoria de Newton estivesse incorrecta. Significou antes que:1. a teoria Newtoniana passa a ser vista sob outro prisma; o conceito duvidoso de forças à distância que o próprio Newton desgostava é substituído por um novo, mais elegante e geométrico.2. a teoria Newtoniana passa a ter o seu regime de validade reduzido.O ponto 2 é IMPORTANTÍSSIMO. E é este que desmistifica a ideia de que novos cientistas descobrem que cientistas do passado estavam errados. Se isto fosse assim, então para quê dar ouvidos aos cientistas? Para quê acreditar nas previsões dos eclipses, se amanhã pode aparecer um novo Einstein que diga que toda a mecânica celeste está errada? De certa forma, se assim fosse, a natureza iria comportar-se ao sabor dos caprichos dos cientistas. Puro disparate.Obviamente isso é um mito.Neste sentido é que Filipe Moura disse que a Física - a mãe das ciências naturais - era imutável. Claro que a frase "a Física é imutável" é perigosa. Fora do contexto pode ser tanto verdadeira como falsa. Daí LA-C ter ficado confuso com esta ambiguidade. A Ciência será (sempre?) um livro aberto.Não acredito que Filipe Moura estivesse a pensar noutra coisa que não a que eu referi. Ele é cientista e sabe tão bem como qualquer colega a natureza daquilo que faz.Assim, temos que uma característica muito importante; em Ciência dificilmente (pelo menos na Física) se demonstra que uma teoria está errada. Teria que me esforçar para me lembrar de mais de meia dúzia de exemplos (na Física, claro. Noutras Ciências não exactas há alguns exemplos.). Às vezes o que acontece é que “modelos” dentro de teorias maiores estão errados por uma das seguintes razões;i. um mau ensaio foi feito;ii. uma aproximação demasiado grosseira foi feita;iii. erro de cálculos.Qualquer um dos casos não implica uma teoria errada, implica apenas uma consequência (da teoria) mal deduzida, i.e. infelicidade da parte do cientista. LA-C mencionou a teoria de Supercordas. Esta teoria precisa de dimensões extra para unificar todas as forças da natureza (este era o sonho de Einstein) num conjunto pequeno e belo de equações. Não sabemos ainda se esta teoria está "correcta"; i.e. se reflecte alguma verdade sobre o nosso Universo.Apesar disto ainda bem que LA-C mencionou este exemplo porque na base dele está uma outra característica muito importante da Ciência:uma nova teoria deve não apenas ser capaz de obter os mesmos resultados que as teorias antigas mas prever NOVOS fenómenos.Este é um ponto muito importante. A teoria de Supercordas ainda não é "the theory of everything" porque ainda não temos tecnologia suficiente para verificar as propriedades novas que ela sugere que existam no Universo. No entanto, dela se extrai a teoria da Relatividade, etc. ; é uma teoria consistente. Será relevante? Só mais tarde o saberemos. Quando o for ganha o estatuto de teoria científica. No entanto, por simplicidade, os Físicos quando querem mencionar as Supercordas falam de "teoria de Supercordas", como se de uma teoria científica completa se tratasse.Penso que agora é claro para LA-C a razão pela qual fazer "teoria de Supercordas" é fazer Ciência. Como tal o seu argumento fica invalidado; não existe - para já - a "super teoria da Economia" que englobe teorias bem testadas e correctas que existem previamente. Assim, o argumento;a Economia tem direito a ser Ciência já que a "Supercordas" também o éé uma falácia. Podemos ainda ficar com a questão "Que fenómenos novos os Economistas alguma vez previram?”Para terminar, faço ainda a distinção entre Ciências exactas e as outras; as Ciências exactas são exactas não porque são Ciências (uma teoria pode ser exacta e não ser uma teoria científica sequer), mas pelo tipo muito particular de Ciências que são.Com efeito, a Física e a Química (esta última deriva da primeira) são Ciências exactas, mas a Biologia, por exemplo, não o é. A Medicina muito menos. Poderão (talvez) sê-lo um dia quando forem uma teoria de primeiros princípios. i.e. quando, por exemplo, forem deduzidas a partir da Físico-Química ou, pelo menos, de algo mais fundamental.O que faz com que uma Ciência seja exacta?Simplesmente o facto de os modelos matemáticos numa teoria aceite pela comunidade preverem com exactidão (*) as propriedades dos fenómenos conhecidos e dos fenómenos novos. Em Biologia existem alguns modelos de Física Estatística que prevêem propriedades do ADN, mas em geral é uma disciplina que vai construindo a sua árvore de conhecimento através da experimentação e indução; observam como as células e outros "sistemas" se comportam através de estímulos exteriores (os quais são por vezes sorteados… descobrindo-se muita coisa por acaso…); não há um processo de fabricação de conhecimento de forma dedutiva e controlada como na Física e na Química.(*) Exactidão significa que a precisão do resultado fornecido pela teoria é, no mínimo, igual à precisão do aparelho de medida mais sofisticado, o qual, por sua vez, deve ser suficientemente grande para a análise de dados dos resultados serem relevantes.(fim de considerações gerais)
III.Agora de volta à questão; que tipo de disciplina é a Economia?Antes de mais é talvez interessante mencionar que a designação "Ciências Humanas (ou Sociais)" surgiu após o impacto que a validação experimental da teoria da Relatividade Geral teve nos intelectuais da época. Formou-se aquilo que hoje é conhecido por "Círculo de Viena"; as famosas discussões de Epistemologia na capital Austríaca. A euforia em torno da Ciência era tanta devido ao sucesso estrondoso de Einstein que os intelectuais pensavam, um pouco ingenuamente, que em breve a Ciência explicaria tudo. Assim, a Psicologia começou a ser denominada de "Ciência Humana"… Infelizmente pouco progresso foi ainda feito em algumas destas áreas. Na Psicologia, apesar das importantes descobertas recentes acerca do cérebro, ainda pouco se sabe; quase tudo é deduzido por comparação (os quadros mentais das pessoas), não havendo qualquer base teórica e de primeiros princípios por de trás destes quadros. A lacuna de um objecto de estudo, ou melhor, a falta de um objecto bem definido faz com que a Psicologia não seja uma Ciência, independentemente do que os Psicólogos chamem àquilo que fazem. Para mim é terapia com base em métodos (racionais e objectivos, obviamente). Para eles é Ciência. Não levo a mal; a influência do Círculo de Viena foi muito grande…A Economia tem um objecto de estudo rigoroso e bem caracterizado.Contudo como havia já referido no comentário que deu origem a esta resposta: existe ainda o método científico.Vou rever o método científico (por palavras minhas);O cientista após ter identificado o objecto de estudo de interesse, estuda-o com as ferramentas teóricas e experimentais que tenha já ao seu dispor, de forma a conhecer algumas das propriedades e fenómenos relacionados com esse objecto; o sistema em estudo.Depois de ter verificado essas propriedades (por exemplo, a resposta do sistema a um estímulo externo, ou simplesmente a sua evolução temporal), propõe-se a explicá-las.Para tal elabora um conjunto de proposições do estilo:o objecto A tem a característica X que implica, devido ao ambiente EXT em que A habita, a característica Y, e por aí fora. Depois, se dispuser de meios para tal, tenta construir um modelo. Neste modelo, dadas as variáveis A e EXT como "input" dá, como "output", a resposta X. A inclusão de X agora como "input" dá Y, e por aí fora. Agora falta o passo mais difícil; propor uma teoria, isto é um conjunto de axiomas que tenham como consequência (isto é, com o uso exclusivo da lógica e matemática) o modelo proposto; os primeiros princípios. (Neste ponto a sua investigação começa a poder ser apelidada de "Ciência exacta".)Para ter chegado a este ponto o Cientista pode ter usado simplesmente papel e caneta e uns dados conhecidos a priori e/ou ter ido para o laboratório fazer experiências. Independentemente do caminho realizado, nesta altura, chega a hora da verdade para a teoria; a previsão de fenómenos novos. O Cientista obtém algumas usando o seu modelo, publica-os resultados e espera (ou faz ele mesmo) que alguém os corrobore em laboratório. A corroboração em laboratório pode ser extremamente exacta (envolvendo imensas casas decimais) ou pode ser a "olho"; depende do sistema em causa. Como imaginam validar a Teoria da Divisão Celular é bem mas simples do que validar a Teoria da Superconductividade, pois envolve (quase) apenas observação a microscópio e o respectivo registo dos dados observados.Isto está muito relacionado com o facto de a Biologia ser uma teoria do "macro-mundo" , i.e. das coisas "grandes" (uma célula pode nos parecer pequena mas é constituída por um número inimaginável de átomos). Já a Física não tem uma escala própria; estuda fenómenos a todas as escalas (sistemas microscópicos, mesoscópicos e macroscópicos).Na Economia (pelo menos na Macroeconomia) existem um conjunto de "axiomas" chamados de "leis" que estão na base de, por exemplo, toda a teoria de mercados financeiros. Uma dessas leis é a "lei do mercado racional" que assume que todos os agentes do mercado têm um conhecimento perfeito acerca do estado do mesmo e actuam de forma perfeitamente racional. Esta "lei" é claramente uma aproximação. Só pode ser levada a sério como "toy model" e pouco mais. Já foi invalidada "experimentalmente" várias vezes. Por exemplo, o desvio médio padrão do retorno dos preços obedece a uma equação incompatível com essa lei em mercados não maduros. Por outro lado, sabemos que os agentes são tudo menos «perfeitamente racionais». Não são robots, mas pessoas como outras quaisquer. No entanto isto não impediu de os Economistas fazerem desta lei o seu "santo graal" e de a repetirem vezes sem conta nos seus manuais.Apesar de os artigos de Econofísica não serem aceites nos jornais de Economia (o que não implica necessariamente que não prestem como LA-C parece ter sugerido) evitam usar estas "leis" duvidosas e tentam antes uma aproximação diferente ao problema "à Físico" (i.e. de primeiros princípios). Acho que o comentário de LA-C foi uma generalização não sendo justo para alguns trabalhos já realizados por Físicos ou em colaboração com estes. Estas pessoas tentam, usando leis mais simples, deduzir as consequências das leis dos mercados racionais bem como os seus desvios. Eu não sei em que ponto está a Econofísica neste momento. Debrucei-me poucos meses nela no último ano da licenciatura, mas recordo-me de ter lido elogios de Economistas ao trabalho que havia sido já feito.Há claramente uma abordagem menos rigorosa e mais prática dos Economistas, mas isto não quer dizer que não tenham resultados rigorosos. São coisas desconexas. É possível fazer-se "previsões" dentro de certos regimes/modelos/economias/etc em Economia. Contudo isto não chega para que seja Ciência. É preciso um estudo (investigação) com a abordagem que expus acima. E para isso é preciso ter-se um "laboratório" (a Economia tem) e a capacidade de fazer experiências e as repetir nas mesmas condições (a Economia terá?).Se eu (Economista) fizer uma experiência hoje que consiste em estudar a reacção dos índices bolsistas à compra de X acções da empresa Y, como posso esperar que a resposta do "mercado" seja a mesma no dia seguinte? Não posso. Não devo, pois não vai ser. O mercado é um sistema complexo (por definição) cujas interacções não são suficientemente conhecidas (dependem de uma data de factores, até mesmo do estado exacto do "ambiente" e não apenas da sua "temperatura") para a noção de "experiência" existir…O que significa fazer uma experiência no mercado financeiro?Para explorar melhor esta questão (no âmbito da Ciência) vamos fazer o seguinte mapa (altamente simplificado);acção da empresa X -> partícula do tipo Xvalor da acção da empresa X -> carga da partícula XSe a Economia é uma Ciência deve ser capaz de determinar (mesmo que estatisticamente, i.e. fornecendo apenas probabilidades) a evolução das cargas das partículas (acções) e de fazer medições das mesmas cargas para ver se a teoria é "boa" ou "não".Mas, em primeiro lugar, como pode a Economia fazer uma experiência (neste caso uma simples medição de uma propriedade) se o simples acto de medir o mercado já interage com este e altera a massa da partícula? (ainda por cima esta alteração depende do estado actual do mercado)Em Física há situações análogas a esta, em que a massa pode mudar, mas esta mudança pode ser determinada mesmo experimentalmente. É sempre possível - por mais "frágil" que seja o que se quer medir - "engendrar" um esquema que o meça. Mais ainda, pode-se sempre inventar um esquema diferente e o resultado que se obtém é o mesmo. Mais ainda, esta "mudança" é prevista pela teoria.Reparem que isto não é um problema conceptual. Um dia que a Economia esteja tão avançada que consigamos ultrapassar este problema, poder-se-á "isolar" a influência do cientista do sistema em estudo em causa. A questões são quanto tempo isto demorará (será já mesmo possível?) e, antes de mais, se isto será possível por princípio… LA-C falou em Economia Experimental. Desconhecia tal campo. Agradecia que escrevesse sobre isto de uma forma didáctica, para tentar perceber se o que eu disse faz sentido ou não.Outra questão importante que me faz alguma confusão quando tento imaginar a Economia como Ciência é o facto de - contrariamente às Ciências naturais - não existir uma realidade objectiva no sentido que a Economia depende das crenças dos "jogadores" (agentes económicos, etc.) e os seus modelos só resultam quando estas crenças não se alteram, i.e. quando a "biologia" envolvente não é seriamente afectada (ex: crashes na Bolsa causados por fortes mudanças sociais). Por isso, gosto mais de imaginar estes modelos como parte integrante de Modelos Sociais muito sofisticados, mais do que parte integrante de uma Ciência (social).Estes são os meus argumentos. Há ainda outro que não vou rebater, mas que de certa forma já mencionei acima; a Economia não se tem preocupado com a origem de muitos conceitos (por exemplo, como são os preços fixados?). Por outras palavras, a Economia não é uma disciplina de primeiros princípios.Como prometido evitei as citações. Contudo, já que LA-C mencionou a Wikipedia, vale a pena ler o artigo: http://en.wikipedia.org/wiki/Economics, onde a ideia de Economia como Ciência é refutada com argumentos diferentes dos meus (diria que argumentos mais "práticos" e feitos por Economistas) e é antes classificada como "valuation theory" ou "soft science", enfim; not science!
random

Saturday, August 05, 2006

ANTOLHOS



No tempo em que havia burros, costumavam os donos colocar nos olhos dos animais de tracção palas laterais que os obrigavam a olhar sempre em frente. Eram os antolhos. Pelos vistos a tendência natural dos jumentos levava-os a olharem para os lados, a espantarem-se, e a desviarem-se das rotas que os seus senhores estabeleciam. Os antolhos funcionavam, deste modo, como prótese correctora de uma propensão asinina para arrepiar caminho.

Curiosamente, a humanidade, contrariamente à asinidade, não precisa de prótese porque a sua tendência natural é a de olhar sempre para o lado com que nasceu programada. A comparação talvez seja insolente e a questão, à primeira vista, pode parecer anedótica mas foi objecto de estudo científico.

Segundo um artigo publicado no Washington Post de 31/7/2006, e que a seguir se transcreve para memória futura,

Psychological experiments in recent years have shown that people are not even-handed when they process information, even though they believe they are.
(When people are asked whether they are biased, they say no. But when asked whether they think other people are biased, they say yes.) Partisans who watch presidential debates invariably think their guy won. When talking heads provide opinions after the debate, partisans regularly feel the people with whom they agree are making careful, reasoned arguments, whereas the people they disagree with sound like they have cloth for brains.

Unvaryingly, partisans also believe that partisans on the other side are far more ideologically extreme than they actually are, said Stanford University psychologist Mark Lepper, who has studied how people watch presidential debates.

Although it is satisfying to think that your side is right and the other side consists of morons, the systematic errors that can be documented in partisan perception suggest something deeper than deliberate tunnel vision.
A leitura integral do artigo em questão (que se transcreve no fim destes comentários) explica que esta perspectiva fixa, que caracteriza o comportamento humano na sua apreciação dos outros, nomeadamente em matérias de posicionamento político, não é moldada por razões meramente tácticas e pontuais, ou de estratégicas de longo prazo, porque se inscreve num programa a que cada um automaticamente obedece, irremediavelmente.

No caso de ocorrerem razões laterais que, eventualmente, possam distrair os pacientes partidários da rota programada, mecanismos automáticos correctivos de auto justificação garantem o rumo pré estabelecido.

O artigo não o refere mas, como em tudo na vida, as regras que os psicólogos descortinaram têm de ter, obviamente as suas excepções. Para nelas caberem os tresmalhados, que constituem aquela massa cinzenta (escrevo isto e interrogo-me se terá esta alguma coisa a ver com a outra) que não é preta nem branca, que consegue gostar de futebol sem torcer por nenhuma equipa, uma espécie ET.

Porque nas excepções não cabem as transmutações. Aos transmudados, aqueles que, geralmente de moto próprio e por razões de natureza vária, reprogramaram os seus trajectos, aplica-se, como corolário, a lei geral. O estudo não os refere explicitamente mas a dedução é evidente.

As transmutações são, como se sabe, mais frequentes nas áreas da partidarização política do que no futebol ou na religião. É certo que o estudo a que nos estamos a referir não aborda estes dois outros campos da partidarização mas é perfeitamente legítimo alargar-se a estes as conclusões a que os cientistas psi chegaram a propósito da partidarização política. Trata-se de um negligenciável contributo nosso, facilmente confirmável de modo empírico.
“Podemos mudar de mulher mas não de clube”, reconhecem os clubistas.
E em matéria de fé, “a fé não se discute”, está tudo dito.

E como a simetria é uma espantosa quase constante biológica, arriscamos mais uma dedução: como, muito provavelmente, a programação das mentes partidárias se distribui de forma equitativa, os resultados eleitorais dependem irremediavelmente das pendências dos cinzentos. Os cinzentos, contudo, ainda que tresmalhados, não fogem à fatalidade simétrica e distribuem-se também equitativamente. De modo que, sempre que as disputas eleitorais se bipartidarisam, os resultados tendem a ser decididos com “foto finish”, utilizando a expressão do EL País de 7/7.

Nas eleições mais recentes, relembra aquele periódico espanhol:

Itália – Berlusconi tardou em reconhecer os resultados oficiais que deram a vitória a Romano Prodi. Os italianos esperaram uma semana pela decisão do Tribunal que confirmou o triunfo de Prodi por uma escassíssima margem de 24 755 votos.

Alemanha – A CDU liderada por Angel Merkel superou com apenas 35,2% os 34,3% do SPD. A diferença foi de 442 880 votos e obrigou a uma grande coligação entre os dois principais partidos.

EUA – George W. Bush conseguiu uma vitória muito polémica para o seu primeiro mandato, em 2000, à custa de 537 votos obtidos na Florida, sobre o seu rival, Al Gore, que viria a obter mais votos em todo o país (48,4%, contra 47,9% de Bush). Como o sistema norte-americano de eleições presidenciais se faz atribuindo a vitória ao candidato com maior número de delegados eleitos pelos 52 Estados, e não existe correspondência perfeita entre o número de eleitores e o de delegados eleitos, Bush ganhou à custa de uma muito controversa magríssima margem de votos obtidos na Florida.

Para o segundo mandato, em 2004, a situação quase se invertia, desta vez a favor o seu opositor, John Kerry, tendo os resultados finais ficado dependentes das contagens no Ohio.

Em 1960, Kennedy bateu Nixon por apenas 114 000 votos.

Israel – Em 1996 Benjamin Natanyahu bateu, surpreendentemente, Simón Peres, por apenas 30 000 sufrágios.

Costa Rica – O social-democrata Óscar Árias, prémio Nobel da Paz, venceu já este ano, em Fevereiro, Ottón Solís por 18 169 votos, depois de julgadas pelo Supremo 696 irregularidades.

México – Os votos foram recontados e impugnadas as eleições pelo candidato de esquerda.

É certo que, entretanto, muitas outras eleições tiveram lugar com resultados bem mais distanciados. No entanto, e salvo circunstâncias muito excepcionais, de que a última vitória de Chirac sobre Le Pen é o exemplo mais flagrante, a distribuição dos votos raramente é, em democracia, muito desequilibrada.

A eleição democrática não será, portanto, como alguns pretendem, inquinada pela assimetria da informação que comanda o meu voto geralmente mal informado relativamente ao voto dos abundantes senhores analistas políticos deste país, necessariamente sempre muito bem informados.

O inquinamento, a existir, decorre, não da assimetria na informação mas na simetria da programação partidária das mentes.


DISPATCH FROM THE DEPARTMENT OF HUMAN BEHAVIOR How the Brain Helps Partisans Admit No Gray

By Shankar Vedantam
Washington Post Staff Writer
Monday, July 31, 2006; Page A02

President Bush came to Washington promising to be a uniter, but public opinion polls show that apart from a burst of camaraderie after Sept. 11, 2001, America is more bitterly divided and partisan than ever.

We'll leave the pundits to pontificate on the politics, and instead explore a more interesting phenomenon: People who see the world in black and white rarely seem to take in information that could undermine their positions.

Psychological experiments in recent years have shown that people are not evenhanded when they process information, even though they believe they are.
(When people are asked whether they are biased, they say no. But when asked whether they think other people are biased, they say yes.) Partisans who watch presidential debates invariably think their guy won. When talking heads provide opinions after the debate, partisans regularly feel the people with whom they agree are making careful, reasoned arguments, whereas the people they disagree with sound like they have cloth for brains.

Unvaryingly, partisans also believe that partisans on the other side are far more ideologically extreme than they actually are, said Stanford University psychologist Mark Lepper, who has studied how people watch presidential debates.

Although it is satisfying to think that your side is right and the other side consists of morons, the systematic errors that can be documented in partisan perception suggest something deeper than deliberate tunnel vision. (Last Monday, this space was devoted to the curious phenomenon of the "hostile media effect," in which pro-Israeli and pro-Arab partisans shown the same TV clips both came to the conclusion that the news accounts were heavily biased in favor of the other side.) What explains these distortions in perception?

In an experiment that pols may want to note closely, researchers recently plopped 10 Republicans and 10 Democrats into scanners that measure changes in brain-blood oxygenation. Such changes are thought to be linked to increases or decreases in particular areas of brain activity.

Each of the partisans was repeatedly shown images of President Bush and 2004 Democratic challenger John F. Kerry.

When Republicans saw Kerry (or Democrats saw Bush) there was increased activation in brain areas called the dorsolateral prefrontal cortex, which is near the temple, and the anterior cingulate cortex, which is in the middle of the head. Both these regions are involved in regulating emotions. (If you are eating an ice cream cone on a hot day and your ice cream falls on the sidewalk and you get upset, these areas of your brain remind you that it is only an ice cream, that not eating the ice cream can help keep those pounds off, and similar rationalizations.) More straightforwardly, Republicans and Democrats also showed activation in two other brain areas involved in negative emotion, the insula and the temporal pole. It makes perfect sense, of course, why partisans would feel negatively about the candidate they dislike, but what explains the activation of the cognitive regulatory system?

Turns out, rather than turning down their negative feelings as they might do with the fallen ice cream, partisans turn up their negative emotional response when they see a photo of the opposing candidate, said Jonas Kaplan, a psychologist at the University of California at Los Angeles.

In other words, without knowing it themselves, the partisans were jealously guarding against anything that might lower their antagonism. Turning up negative feelings, of course, is a good way to make sure your antagonism stays strong and healthy.

"My feeling is, in the political process, people come to decisions early on and then spend the rest of the time making themselves feel good about their decision," Kaplan said.

Although it seems paradoxical that people would want to make themselves feel poorly, Kaplan said partisans have a strong interest in feeling poorly about the candidate they are not going to vote for as that cements their belief that they are doing the right thing.

"Democrats looking at Bush may have some positive feelings about the fact he is their leader, so the process of convincing yourself this is someone you don't like when you intend not to vote for him makes sense," he said.

The result reflects a larger phenomenon in which people routinely discount information that threatens their preexisting beliefs, said Emory University psychologist Drew Westen, who has conducted brain-scan experiments that show partisans swiftly spot hypocrisy and inconsistencies -- but only in the opposing candidate.

When presented with evidence showing the flaws of their candidate, the same brain regions that Kaplan studied lighted up -- only this time partisans were unconsciously turning down feelings of aversion and unpleasantness.

"The brain was trying to find a solution that would get rid of the distress and absolve the candidate of doing something slimy," Westen said. "They would twirl the emotional kaleidoscope until it gave them a picture that was comfortable."